AGAR
Autor: Soares de Passos on Sunday, 9 December 2012
I
O amor não se confrange,
O amor não se combate.
É como a luz do sol que tudo abrange,
É como um raio audaz que tudo abate:
É como em terra fecundante a flôr,
Viceja e medra, embora se não trate.
Não se confrange o amor,
O amor não se combate.
II
Ao Ângelo
Queria tanto saber por que sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber por que seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!
Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!
A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!
Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:
Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:
Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:
Ha muito que desceu das orientaes montanhas
A hydra singular que espalha nas ardencias
D'uma luta febril scintillações estranhas!
Ella galga, rugindo, ás grandes eminencias,
E emquanto vae soltando o silvo pelo espaço
Engrossa á luz do sol na seiva das consciencias.
Tem rijezas sem par, como de roscas d'aço
E corre descrevendo em giros caprichosos
Na leiva popular um indefinido traço.
Era bello esse tempo da vida,
Em que esta harpa falava de amores:
Era bello quando o estro accendiam
Em minha alma da guerra os terrores.
Nesse tempo o balouço das vagas
Me era grato, qual berço da infancia;
E o sibillo da bala harmonia
Semelhante á de flauta em distancia.
Eu corri pelos campos da gloria,
D'entre o sangue colhendo uma palma,
Para um dia a depor aos pés dessa
Que reinou largo tempo nesta alma.
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
O velho Olimpo dorme o bom somno comprido
Que prostra o lutador no fim d'uma batalha,
E os Deuses d'outro tempo, em livida mortalha,
Descançam no torpor d'um mundo corrompido.
No puro céo christão, de estrellas revestido,
No entanto ha muito já que chora e que trabalha,
Por nós, o Christo bom sem que seu Pae lhe valha,
A fim de ver, de todo, o mundo redimido!
Justiça, traça o manto alvissimo e estrellado
E senta-te, mulher, no throno abandonado
Pelos vultos gentis de tantos Deuses velhos!
Na serena missão de paz que tu cumpriste
Ó suave Jesus, ó doce galileu,
Que santa singeleza e que perfume triste
Do teu casto perfil no mundo rescendeu!
Havia no teu verbo aquella unção divina
Que a velha harpa de Job soltou nas solidões,
E o bello, o puro sol da antiga Palestina
Suave contornou, de luz, tuas feições!
Compunham-te o cortejo uns pobres pescadores
Almas rectas e sãs; marchavas por teu pé,
E sorrias falando aos rudes e aos pastores,
Sentado nos portaes da pobre Nazareth.
Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar ôco de certezas mortas? -
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construido...
- Barcaças dos meus impetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segrêdo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao rôxo, a que rochêdo?...
- Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos d'alquimia?...