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SANTA SIMPLICIDADE

Na serena missão de paz que tu cumpriste
Ó suave Jesus, ó doce galileu,
Que santa singeleza e que perfume triste
Do teu casto perfil no mundo rescendeu!

Havia no teu verbo aquella unção divina
Que a velha harpa de Job soltou nas solidões,
E o bello, o puro sol da antiga Palestina
Suave contornou, de luz, tuas feições!

Compunham-te o cortejo uns pobres pescadores
Almas rectas e sãs; marchavas por teu pé,
E sorrias falando aos rudes e aos pastores,
Sentado nos portaes da pobre Nazareth.

Angulo

Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar ôco de certezas mortas? -
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construido...

- Barcaças dos meus impetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segrêdo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao rôxo, a que rochêdo?...

- Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos d'alquimia?...

*PALACIOS ANTIGOS*

A Anthero do Quental.

Bons castellos leaes nas rochas construidos,
Ás contorções do vento, á chuva ennegrecidos,
Que vamos admirar na angustia dos poentes;
Grandes sallas feudaes com tellas de parentes,
O que fazeis de pé, como entre os nevoeiros,
Os antigos heroes e as sombras dos guerreiros?!

A ***

    Pois se como sempre fomos
          Somos
    Pétalas da mesma flôr,
    E o que eu sinto, ou eu me illudo,
          Tudo
    Tambem sentes, gosto e dôr;

    Que te arraza os olhos d'agua?
          Magua
    Em que eu não deva tocar?
    Oh! mas se ha quem a suavise,
          Dize,
    Vou-lhe um suspiro levar.

*Febre Vermelha*

Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!

Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar...

Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis...

Aniversário de Álvaro de Campos

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

*Testamento*

      Lego uma trança do cabello d'ella
      Para atar um cavallo á mangedoura
      E as cartas da flacida impostora
      Para embrulhar assucar e canella.

      Ao credulo rival, deixo, leitora,
      A licença de entrar pela janella;
      Outrosim deixo as ligas e a fivela
      Que cingiram a perna encantadora:

      Os beijos que me deu ficam comigo
      E a memoria das noites palpitantes
      Hade caber tambem no meu jazigo.

Aldeã

Podem dizer talvez que ella não tem
As fórmas peregrinas, delicadas,
Das cortezãs de peito de cecem
Que vão á noite aos bailes, decotadas.

Podem dizer talvez, e dizem bem,
Que ás suas faces tumidas, rosadas,
Falta a côr macilenta que convém
Ás virgens dos sonetos e balladas.

Á elegancia doente e vaporosa
Eu prefiro, comtudo, a fórma airosa
Do seu corpo gentil de mulher sã;

Por isso adoro e préso mais que tudo
Os seus olhos dolentes de velludo,
Os seus labios vermelhos de romã.

A Minha Piedade

A Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!

Tenho pena de mim... pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

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