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LUZ DA FÉ

Tu, sol! já não me alegras
    Como alegravas, não:
    Vós, sim, ó nuvens negras,
    Relampago e trovão!

    Quando o trovão me aterra,
    Recordo-me de Deus;
    Abalo cá da terra
    E vou por esses céos:

    E lá n'essas alturas,
    Por onde só a fé,
    Em regiões tão puras,
    Nos deixa tomar pé;

    Voar, pairar nos ares
    Como uma aguia cá,
    De lá só vejo os mares,
    E é porque a luz lhes dá.

*Barcarola*

      «Corre, vôa, borboleta, vae graciosa
      Libar ondas de nectar delirante
      A anémona cingir, o lyrio, a rosa
      Com a aza fugitiva, coruscante.

      «Vae soffrega d'amor e sê ditosa.
      Dá-se no ceu um caso semelhante
      Quando estrellas em noite vaporosa
      Se abysmam n'uma queda extravagante.

      «Vae mariposa, a chamma te fascina
      Na aresta do ludibrio, como esphinge
      Em deserto d'areia crystallina.»

Amor omnia vincit (A GARCIA MARQUES)

I

        O amor não se confrange,
        O amor não se combate.
É como a luz do sol que tudo abrange,
É como um raio audaz que tudo abate:
É como em terra fecundante a flôr,
Viceja e medra, embora se não trate.
        Não se confrange o amor,
        O amor não se combate.

II

Quem Sabe?...

Ao Ângelo

Queria tanto saber por que sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber por que seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Olhos suaves, que em suaves dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:

A HYDRA

Ha muito que desceu das orientaes montanhas
A hydra singular que espalha nas ardencias
D'uma luta febril scintillações estranhas!

Ella galga, rugindo, ás grandes eminencias,
E emquanto vae soltando o silvo pelo espaço
Engrossa á luz do sol na seiva das consciencias.

Tem rijezas sem par, como de roscas d'aço
E corre descrevendo em giros caprichosos
Na leiva popular um indefinido traço.

A FELICIDADE.

Era bello esse tempo da vida,
Em que esta harpa falava de amores:
Era bello quando o estro accendiam
Em minha alma da guerra os terrores.

Nesse tempo o balouço das vagas
Me era grato, qual berço da infancia;
E o sibillo da bala harmonia
Semelhante á de flauta em distancia.

Eu corri pelos campos da gloria,
D'entre o sangue colhendo uma palma,
Para um dia a depor aos pés dessa
Que reinou largo tempo nesta alma.

O velho Olimpo dorme o bom somno comprido

O velho Olimpo dorme o bom somno comprido
Que prostra o lutador no fim d'uma batalha,
E os Deuses d'outro tempo, em livida mortalha,
Descançam no torpor d'um mundo corrompido.

No puro céo christão, de estrellas revestido,
No entanto ha muito já que chora e que trabalha,
Por nós, o Christo bom sem que seu Pae lhe valha,
A fim de ver, de todo, o mundo redimido!

Justiça, traça o manto alvissimo e estrellado
E senta-te, mulher, no throno abandonado
Pelos vultos gentis de tantos Deuses velhos!

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