Geral

Dá-me esse jasmim de cera

 --Dá-me esse jasmim de cera,
          Minha flôr?
    --Mas e depois se lh'o dera,
          Meu senhor?

    --Depois? era uma lembrança.
          --Mas de quê?
    --D'uma tão linda criança,
          Já se vê.

    --Oh tão linda! Mas, parece,
          Sendo assim,
    Que inda quando lhe não désse
          Tal jasmim...

    --Não me esquecia, de certo.
          --Nunca já?
    --Nunca.--Nunca, é muito incerto,
          Mas... vá lá.

CARTA

    Maria! vêr-te á porta a fazer meia,
    Olhando para mim de vez em quando,
    É o que n'esta vida me recreia.

    Acordo até de noite suspirando
    Por que rompa a manhã e tenha o gosto
    De te vêr já tão cedo trabalhando.

    Desde pela manhã até sol-posto
    Que não tens de descanço um só momento;
    Por isso tens tão bella côr de rosto.

    E eu pallido, Maria! O pensamento
    Não é trabalho que nos dê saude,
    Esta imaginação é um tormento.

CARTA: _A hum Camarista, tendo o A. sido despachado_.

A rara benignidade,
Que quiz o Ceo conceder-vos,
Permitta que de escrever-vos,
Tome eu hoje a liberdade;
Pois tendes tanta bondade,
Peço, nella confiado,
Que por mim ajoelhado,
E na bocca o coração,
Beijeis ao Principe a mão,
E lhe deis este recado.

LYRA XXXI.

Minha Marilia,
Se tens belleza,
Da natureza
He hum favor.
Mas se aos vindouros
Teu nome passa,
He só por graça
Do Deos de amor,
Que terno inflamma
A mente, o peito
Do teu Pastor.

  Em vão se virão
Perlas mimosas,
Jasmins, e rosas
No rosto teu.
Em vão terias
Essas estrellas,
E as tranças bellas
Que o Ceo te dêo;
Se em doce verso
Não as cantasse
O bom Dirceo.

LYRA XXX.

Junto a huma clara fonte
A mãi de Amor se sentou:
Encostou na mão o rosto,
No leve somno pegou.

  Cupido, que a vio de longe,
Contente ao lugar corrêo;
Cuidando que era Marilia
Na face hum beijo lhe dêo.

  Acorda Venus irada:
Amor a conhece; e então
Da ousadia, que teve,
Assim lhe pede o perdão:

  _Foi facil, ó Mãe formosa,
Foi facil o engano meu;
Que o semblante de Marilia
He todo o semblante teu_.

*Esculptura*

      Que bella estatua! Collo d'alabastro,
      Um riso de crystal, faces ardentes,
      Um adreço de perolas os dentes
      E os olhos chispam o fulgor d'um astro!

      De maus intentos o porvir alastro
      Porque passando desdenhosa sentes,
      Que intimidas com lividas correntes
      Quem doido beija o sulco do teu rastro.

      Paradoxo cruel! treva d'arminho,
      Idolo deslumbrante, ruim creança
      Que da ternura forjas sevo espinho!

O Divino

Nobre seja o homem,
Caridoso e bom!
Pois isso apenas
É que o distingue
De todos os seres
Que conhecemos.

Glória aos incógnitos
Mais altos seres
Que pressentimos!
Que o homem se lhes iguale!
Seu exemplo nos ensine
A crer naqueles!

Pois insensível
É a natureza:
O sol 'spalha luz
Sobre maus e bons,
E ao criminoso
Brilham como ao santo
A lua e as 'strelas.

AO MAR!

Senhor! eu canto o mar, que no psalterio
      D'esses orbes de luz que além se avista,
      Com a vóz d'um tristissimo psalmista
      Teu nome ousa louvar no espaço ethereo!

      Canto o apostolo, o mestre da Verdade,
      Que, aprendendo de ti altos segredos:
      Contra os negros tyrannos dos rochedos
      Vae prégando o sermão da Liberdade!

A uma Rapariga

À Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Camões, grande Camões, quão semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Pages