Geral

CARTA: _A hum Camarista, tendo o A. sido despachado_.

A rara benignidade,
Que quiz o Ceo conceder-vos,
Permitta que de escrever-vos,
Tome eu hoje a liberdade;
Pois tendes tanta bondade,
Peço, nella confiado,
Que por mim ajoelhado,
E na bocca o coração,
Beijeis ao Principe a mão,
E lhe deis este recado.

LYRA XXXI.

Minha Marilia,
Se tens belleza,
Da natureza
He hum favor.
Mas se aos vindouros
Teu nome passa,
He só por graça
Do Deos de amor,
Que terno inflamma
A mente, o peito
Do teu Pastor.

  Em vão se virão
Perlas mimosas,
Jasmins, e rosas
No rosto teu.
Em vão terias
Essas estrellas,
E as tranças bellas
Que o Ceo te dêo;
Se em doce verso
Não as cantasse
O bom Dirceo.

LYRA XXX.

Junto a huma clara fonte
A mãi de Amor se sentou:
Encostou na mão o rosto,
No leve somno pegou.

  Cupido, que a vio de longe,
Contente ao lugar corrêo;
Cuidando que era Marilia
Na face hum beijo lhe dêo.

  Acorda Venus irada:
Amor a conhece; e então
Da ousadia, que teve,
Assim lhe pede o perdão:

  _Foi facil, ó Mãe formosa,
Foi facil o engano meu;
Que o semblante de Marilia
He todo o semblante teu_.

*Esculptura*

      Que bella estatua! Collo d'alabastro,
      Um riso de crystal, faces ardentes,
      Um adreço de perolas os dentes
      E os olhos chispam o fulgor d'um astro!

      De maus intentos o porvir alastro
      Porque passando desdenhosa sentes,
      Que intimidas com lividas correntes
      Quem doido beija o sulco do teu rastro.

      Paradoxo cruel! treva d'arminho,
      Idolo deslumbrante, ruim creança
      Que da ternura forjas sevo espinho!

O Divino

Nobre seja o homem,
Caridoso e bom!
Pois isso apenas
É que o distingue
De todos os seres
Que conhecemos.

Glória aos incógnitos
Mais altos seres
Que pressentimos!
Que o homem se lhes iguale!
Seu exemplo nos ensine
A crer naqueles!

Pois insensível
É a natureza:
O sol 'spalha luz
Sobre maus e bons,
E ao criminoso
Brilham como ao santo
A lua e as 'strelas.

AO MAR!

Senhor! eu canto o mar, que no psalterio
      D'esses orbes de luz que além se avista,
      Com a vóz d'um tristissimo psalmista
      Teu nome ousa louvar no espaço ethereo!

      Canto o apostolo, o mestre da Verdade,
      Que, aprendendo de ti altos segredos:
      Contra os negros tyrannos dos rochedos
      Vae prégando o sermão da Liberdade!

A uma Rapariga

À Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Camões, grande Camões, quão semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Nec semper

São gemeas a Verdade e a Belleza,
Disse-me um grande sabio n'outro dia.
Se elle te conhecesse, com certeza,
Tamanha falsidade não diria.

Pois tu oh formosura incomparada
A quem o meu amor ardente aspira,
Sendo a propria Belleza humanisada
--És a synthesis viva da Mentira!

NOS CAMPOS

A fragrancia do trevo o das flôres selvagens
Da noite embalsamava as tepidas bafagens:
Ao longe os astros bons olhavam-nos dos céos.
O mundo era um altar; as serras grandes aras;
E os canticos da paz corriam nas searas
Em honra do bom Deus.

No solemne silencio immersa ia minha alma
Em tranquilla mudez; n'aquella doce calma
Que sente germinar os frescos vegetaes.
De subito uma voz deixou-me um pouco extatico:
Detive-me um momento; olhei:--era o viatico!
De noite a horas taes,

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