Geral

Agora me Sinto Alegre e Inspirado

Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
    Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
                                                                           fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
    Com mão diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
    Se apenas meio me instruo, dobrada é minha ventura.
E acaso não é instruir-me, quando as formas dos seios
    Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?

Sed non satiata

Ó deidade fatal, anjo das frias trevas,
Pomo de tentação, lindo corpo cigano,
Com perfumes de musgo e de tabaco havano,
Ó fausto feminil que em teus filtros me enlevas!

Ao vinho de Constança, e ao ópio embriagante,
Eu prefiro o elixir da tua boca terna;
E no teu ígnio olhar, refrescante cisterna,
Mata a sede febril a minha dor crucidante.

Nos olhos infernais, espelhos da tua alma,
Monstro sem coração! a chama viva acalma;
Repara que eu não sou um Estígio incansável...

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...

Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto...

Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Aos Mesmos

De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.

Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.

Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.

Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mãos de marujos e lacaios.

Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Gênio do Mal

Gostavas de tragar o universo inteiro,
Mulher impira e cruel! Teu peito carniceiro,
Para se exercitar no jogo singular,
Por dia um coração precisa devorar.
Os teus olhos, a arder, lembram as gambiarras
Das barracas de feira, e prendem como garras;
Usam com insolência os filtros infernais,
Levando a perdição às almas dos mortais.

Choro piedoso, o choro consagrado

Choro piedoso, o choro consagrado
Ás desditas dos seus. Honra ao propheta!
Oh margens do Jordão, paiz formoso
Que fostes e não sois, tambem suspiro
Condoído vos dou.--Assim fenecem
Imperios, reinos, solidões tornados!...
Não:--nenhum deste modo: o peregrino
Pára em Palmyra e pensa. O braço do homem
A sacudiu á terra, e fez dormissem
O seu ultimo somno os filhos della--
E elle o veio dormir pouco mais longe...
Mas se chega a Sião treme, enxergando
Seus lacerados restos. Pelas pedras,

ÁS VISÕES

Pois que visões! não cessa a rapida corrida
E seja noite ou dia,
Volteadoras crueis! vós sempre a toda a brida
Na minha phantasia!

Parti chymeras vãs! archanjos ou _madonnas_,
Parti, que o mando eu,
Como um bando fatal de velhas amasonas
Que o circo aborreceu!

Levae tudo comvosco: as settas mais a aljava;
O angelico sorriso;
E as azas d'escumilha em que eu voava
Á noite, ao paraiso!

AS VELHITAS

Eu não professo muito o culto das ruinas.
Prefiro uma officina ás velhas barbacãs;
Das velhinhas, porém, mirradas, pequeninas,
No entanto nunca insulto as prateadas cãns.

Deixal-as caminhar, curvadas, vagarosas,
Com seu bento rozario, os seus fofos beitões,
A rirem-se de nós, crueis, maliciosas,
Sagazes comentando as nossas illusões!

Ah, velhitas sem côr! cabeças regeladas,
Vulcões de que só resta a cinza e nada mais:
Já fostes as visões; talvez as brancas fadas;
Prendestes vossos pés nos humidos rosaes;

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