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Eis a velha cidade! a cortesã devassa...

Eis a velha cidade! a cortesã devassa,
A velha imperatriz da inercia e da cubiça,
Que da torpeza acorda e á pressa corre á missa!
Baixando o olhar incerto em frente de quem passa!

Ella estreita no seio a velha populaça,
Nas vis dissoluções da lama e da preguiça,
E nunca o santo impulso, o grito da Justiça,
Lhe fez estremecer a fibra inerte e lassa!

E póde receber o beijo e a bofetada
Sem que sinta o rubor da colera sagrada
Acender-lhe na face as duas rosas bellas!

DESESPERANÇA.

«Meia-noite bateu, volvendo ao nada
Um dia mais, e caminhando eu sigo!
Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...
Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!

Qual tufão, que ao passar agita o pégo.
Meu placido existir turvou a sorte.
Halito impuro de pulmões ralados
Me diz que nelles se assentou a morte.

Em quanto mil e mil no largo mundo
Dormem em paz sorrindo, eu vélo e penso,
E julgo ouvir as preces por finados,
E ver a tumba e o fumegar do incenso.

*AS ALDEIAS*

Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas--
Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.

Levanta a alma ás cousas _visionarias_
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.

Pelas tardes das eiras--como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!

A França!

Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria, em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de Portugal ficam, atraz...

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ancia em que jaz...

Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella...)
Na minha _Nau Catharineta_, adeus!

LYRA XXIII.

N'um sitio ameno
Cheio de rosas,
De brancos lyrios,
Murtas viçosas;

  Dos seus amores
Na companhia
Dirceo passava
Alegre o dia.

  Em tom de graça,
Ao terno amante
Manda Marilia
Que toque, e cante.

  Péga na lyra,
Sem que a tempere,
A voz levanta,
E as cordas fere.

  C'os doces pontos
A mão atina,
E a voz iguala
A voz divina.

  Ella, que teve
De rir-se a idéa,
Nem move os olhos
De assombro chêa.

CARTA: _Sobre o mesmo Assumpto_.

Senhor, assim que eu largar
A baetal fatiota minha,
Vou beijar as pias lágeas
Da vossa farta Cozinha;

Não foi attento Hespanhol,[10]
Receitando amarga quina,
Quem venceo meu mal co'as armas
Da fallivel Medicina;

[Nota de rodapé 10: Medico.]

Vós sabeis traçar receitas
Mais gratas, e mais felizes:
Curárão-me oppostos males
Bem applicadas Perdizes;

Humas o appetite abrírão,
Outras socêgo lhe dão;
Sarárão as duas chagas
Co'pêllo do mesmo cão:

Não te Arrependas

Não te arrependas, Amada, porque a mim tão depressa
                                                                              te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
                                                                              e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
    E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam

Os Mochos

Sob os feixos onde habitamn,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.

E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.

Do seu exemplo, tirae
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitae

O bulício e o movimento...
Quem atrás de sombras vae,
Só logra arrependimento!

O Cachimbo

Trigueiro, negro, enfarruscado,
Sou o cachimbo d'um autor,
incorrigível fumador,
Que me tem já quase queimado.

Quando o persegue ingente dôr,
Eu, a fumar, sou comparado
Ao fogareiro improvizado
Para o jantar d'um lenhador.

Vae envolver-lhe a tova mente
O fumo azul e transparente
Da minha bôca em erupção...

A sua dor, prestes, se acalma;
Leva-lhe o fumo a paz á alma,
Vae Alegrar-lhe o coração!

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