As bolas de sabão que esta criança
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 20 November 2012
Escrito 11-3-1914.
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
Escrito 11-3-1914.
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
Como eu adoro as tuas «simplicidades!»
(Heine)
Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!
Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.
Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.
Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D'uns noivos mortos ao cingir da estola...
A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!
Ó virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...
Cantae-me, n'essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!
Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigas
Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n'essa voz... Cantae!
Com peso tal, não me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte é larga e o Tempo Estreito.
Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh'alma , tambor funereo,
Vai rufar trechos magoados.
— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde não chega o alvião;
Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidão
Topei hum dia
Ao Deos vendado,
Que descuidado
Não tinha as settas
Na impia mão.
Mal o conheço,
Me sóbe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva accende
No coração.
_Morre, Tyranno,
Morre, inimigo_!
Mal isto digo,
Raivoso o apérto
Nos braços meus.
Tanto que o moço
Sente apertar-se,
Para salvar-se
Tambem me aperta
Nos braços seus.
Inferno e céo, conforme
A nossa fé, confesso
Que é um mysterio enorme,
É um mysterio immenso.
Mas um mysterio é tudo:
Folhinha d'herva, e estrella,
Não ha comprehendêl-a!
É contemplal-a mudo.
E a herva, como existe,
A mim quem m'o diria,
Se a luz que me alumia
Nem sabe em que consiste?
Mas uma coisa sabe
O que a cabeça ignora
--O coração... que mora
Em peito onde não cabe.
Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:
Foi este o ditozo dia,
Que te deo a Espoza bella;
Doce, sólida alegria,
Para ti, junto com ella,
No mesmo berço nascia;
Por tua maior ventura,
Natureza lhe quiz pôr,
Entre os Dons da Formozura,
Outro dote inda maior,
Que he, alma innocente, e pura;
Eu sei teu costume antigo,
A Mulher, que he só formoza,
Não vale tudo comtigo;
Soubeste escolher Espoza,
Em quem tens Espoza, e Amigo;