Geral

*A BELLA FLOR AZUL*

Quem saberá «signora» d'onde terá nascido esse bello lyrio branco?
     (Velha Comedia Italiana)

Eu não sou o fatal e triste Baudelaire;
Mas analyso o Sol e decomponho as rosas,
As rijas e crueis dahlias gloriosas,
--E o lyrio que parece o seio da mulher.--

Tudo que existe ou foi, morre para nascer;
Na campa dão-se bem as plantas graciosas,
E, um dia, na floresta harmonica das Cousas,
Quem sabe o que serei quando deixar de ser!

Ai de Mim!

Venho, torna-me velho esta lembrança!
D'um enterro d'anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lá no escuro...

Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n'o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixão o meu Futuro.

Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, á bruta, aos empurrões,
Vá para a frente! Marcha! Á Vida! Á Vida!

Natal d'um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n'uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D'essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Prologo

Em hora de afflicçãô, molhei a penna
Na chaga aberta d'esse corpo amado,
Mas n'uma chaga a suppurar gangrena,
Cheia de puz, de sangue já coalhado!

E depois, com a mão firme e serena,
Compuz este missal d'um torturado:
Talvez choreis, talvez vos faça pena...
Chorae! que immenso tenho eu já chorado.

Abri-o! Orae com devoção sincera!
E, à leitura final d'uma oração,
Vereis cair no solo uma chymera...

LYRA IX.

Eu sou, gentil Marilia, eu sou captivo,
Porém não me venceo a mão armada
    De ferro, e de furor:
Huma alma sobre todas elevada
Não cede a outra força que não seja
    Á tenra mão de Amor.

  Arrastem pois os outros muito embora
Cadêas nas bigornas trabalhadas
    Com pezados martellos:
Eu tenho as minhas mãos ao carro atadas
Com duros ferros não, com fios d'ouro,
    Que são os teus cabellos.

APPARIÇÃO

    Como esse olhar é dôce!
    Dôce da mesma sorte
    Como se nunca fosse
    Toldado pela morte:

    Como se alumiasse
    O sol ainda em vida
    As rosas d'essa face...
    Agora carcomida.

    Colhesse-as eu mais cedo
    E logo que alvorece;
    Já não tivesse medo
    Que a terra m'as comesse.

    Mas pura, como a neve
    Que ás vezes cahe na serra,
    É que a nossa alma deve
    Tambem voar da terra.

_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava o A. por huns Versos, que tinha promettido_.

A tua polida Carta,
Que honrou hum Poeta razo,
Escrita em pura linguagem,
E assignada no Parnazo;

Da mais injusta ambição
Traz testemunhos fieis;
Possues grossos thezoiros,
E citas-me por dez reis?

Quem do doce Anacreonte
Bebeo o estilo divino,
Quer prostituir seus olhos
Co'as Trovas do Tolentino?

Pago, em fim, divida louca;
Mas quem quer pontualidade,
Cuide tambem em pagar
As dividas da Amizade;

*Imprecação*

      Para que te amava eu? Corpo d'espuma
      Cruel enlevo de labios setinosos
      Onde bailam desejos luminosos
      Estrella, que de luz o ceu perfuma.

      Para que te amava eu? Que densa bruma
      Me offusca de saudade em tons nervosos
      Desfolhando com gritos lacrimosos
      As petalas d'amôr uma por uma?

      Para que te amava eu? oh! praza aos ceus
      Que em quanto o sol girar pelo universo
      Naufragues da paixão nos escarceus.

O Monge Maldito

Os devotos painéis dos antigos conventos,
Reproduzindo a santa imagem da Verdade,
Davam certo conforto aos sóbrios monumentos,
Tornavam menos fria aquela austeridade.

Olhos fitos em Deus, nos santos mandamentos,
Mais de um monge alcançou palma de santidade,
A' Morte consagrando obras e pensamentos
Numa vida de paz, de labor, de humildade.

Minh'alma é um coval onde, monge maldito,
Desde que existe o mundo, aborrecido, habito,
Sem ter um só painel que possa contemplar...

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