Geral

A tua voz de primavera

Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...

E seguia a visão.--Do templo á esquerda

E seguia a visão.--Do templo á esquerda,
Méstas as faces, inclinada a fronte,
Da noite as larvas tinham sobre o sólo
Fito o espantado olhar, e as dilatadas
Baças pupillas lhes tingia o susto.
Mas, como zona lucida de estrellas,
Nessa atmosphera crassa e afogueada
Pela espada rubente, refulgiam
Da direita os espiritos, banhado
De inenarravel placidez seu gesto.
Era inteiro o silencio, e no silencio
Uma voz resoou--Eleitos vinde!--
Ide precítos!»--Vacillava a terra,

EVOCAÇÃO

Levanta-te Romeu do tumulo em que dormes
E vem sorrir de novo á boa, á eterna luz!
De noite, ouço dizer que ha sombras desconformes
E as noites do passado, oh, devem ser enormes
Na atonia fatal das larvas e da cruz!

Conchega gentilmente ao peito carcomido
Os restos do teu manto:--assim, que bem que estás!

Na terra hão de julgar-te um grande Aborrecido
Que busca desdenhoso o centro do ruido
Nas horas vis do tedio e das insonias más.

AOS CATHOLICOS

      Todos vós que sois sinceros crentes,
      Que oraes a Deus no intimo do peito,
                  Oh mysticos christãos;
      Embora tenha crenças differentes
      D'aquellas que seguis, eu vos respeito,
                  E julgo como irmãos!

      Eu amo a Deus; depois a Humanidade;
      Depois os bons, e d'estes o primeiro,
                  É Christo, o Redemptor!
      Não sendo egual em tudo á Divindade,
      É, como justo e homem verdadeiro,
                  Meu mestre e meu mentor!

AS VICTIMAS

Eu vejo muita vez e raro já me assombro
--Minha alma tanto afiz ás tristes commoções!--
Na rua, junto a mim, passar hombro com hombro
No transito penozo as longas procissões,

De victimas da sorte e victimas do mundo!
Umas boas, gentis, outras feias, crueis,
Envoltas n'um sudario ou n'um burel immundo;
Nas pompas theatraes, nas galas dos bordeis,

*HORA DO MEIO DIA*

J'étois inquiet distrait, réveur; jé dèsirois un bonheur dont je
     n'avois pas l'ideé.
     (Confessions de J.J. Rousseau)

--Sosinho no meu quarto retirado,--
Certas horas do dia calorosas,
Quando as flexas do Sol queimam as rosas,
Eu scismo no seu corpo esbelto e amado!

As curvas do seu collo assetinado,
Mais fino que o das rollas amorosas,
Dar-me-hiam as noutes voluptuosas
De que fallam os doutos do Peccado.

O Inimigo

A mocidade foi-me um temporal bem triste,
Onde raro brilhou a luz d'um claro dia;
Tanta chuva caiu, que quase não existe
Uma flor no jardim da minha fantasia.

E agora, que alcancei o outono, alquebrantado,
Que paciente labor não preciso — ai de mim! —
Se quiser renovar o terreno encharcado,
Cheio de boqueirões, que é hoje o meu jardim!

E quem sabe se as flor's ideais que ora cubiço
Iriam encontrar no chão alagadiço
O preciso alimento ao seu desabrochar?

Conde

Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei (foi esse um grande mal)
Torreão de gloria, o que é a phantasia,
Todo de lapis-lazzuli e coral!

N'aquellas redondezas, não havia
Quem se gabasse d'um dominio egual:
Oh o Torreão de gloria! parecia
O territorio d'um Senhor-feudal!

Um dia, não sei quando, nem sei d'onde;
Um vento secco de tortura e spleen
Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,

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