É HORA?
Autor: silute on Saturday, 29 December 2012
Adeus tranças côr de oiro,
Adeus peito côr de neve!
Adeus cofre onde estar deve
Escondido o meu thesoiro!
Adeus bonina, adeus lirio
Do meu exilio d'abrolhos!
Adeus oh luz dos meus olhos
E meu tão dôce martyrio!
Desfeito sonho doirado,
Nuvem desfeita de incenso,
Em quem dormindo só penso,
Em quem só penso acordado!
Visão sim mas visão linda!
Sonho meu desvanecido!
Meu paraiso perdido
Que de longe adoro ainda!
(A Eça De Queiroz)
Eu tenho ouvido as simphonias das plantas.
Eu sou um visionario, um sabio apedrejado,
Passo a vida a fazer e a desfazer chymeras,
Em quanto o mar produz o monstro azulejado
E Deus em cima faz as verdes primaveras.
Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
E erro como estrangeiro ou homem d'outras eras,
Talvez por um contacto ironico lavrado
Que fiz e já não sei talvez, n'outras espheras.
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Olha como embrulhado
Que está ainda o céo
E o chão, como ensopado
Da agua que choveu...
Foi um diluvio d'agua;
E o furacão, que fez,
Emilia! até dá mágoa
Tantos estragos: vês?
Esta infeliz víuva,
Foi-lhe o telhado ao ar;
Depois, já nem da chuva
Tinha onde se abrigar.
De mais a mais sósinha,
Sem ter nenhum dos seus
Aqui ao pé; ceguinha...
Bemdito seja Deus!
Não me esqueço de si, minha Mãe, fôra
Onde fôra. Ao contrario, lembro ás vezes
Essa viagem nossa (de ha alguns mezes)
Sobre as agoas do mar! Se fosse agora...
Oh o encanto da viagem seductora!
Que bem me disse então dos Portuguezes!
Que faria hoje! foram-se os revezes!
O que lá vae pela Africa, Senhora!
Depois, ao separarmo-nos no Tejo,
Disse-me (com que voz e com que modos!)
«Deus o faça feliz, ao seu desejo!»
A MINHA IRMÃ MARIA DA GLORIA
Podessem suas mãos cobrir meu rosto,
Fechar-me os olhos e compôr-me o leito,
Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
Eu me fôr viajar para o Sol-posto.
De modo que me faça bom encosto,
O travesseiro comporá com geito.
E eu tão feliz! por não estar affeito,
Hei-de sorrir, Senhor! quazi com gosto.
Até com gosto, sim! Que faz quem vive
Orpham de mimos, viuvo de esperanças,
Solteiro de venturas, que não tive?