QUEM DIRÁ?
Autor: Bulhão Pato on Thursday, 31 January 2013
Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.
Tenho, ás vezes, desejos delirantes
De a todos te roubar, meu lyrio amado!
E levar-te, em um vôo arrebatado,
Aos paizes phantasticos, distantes.
Á India, China ou o Iran, e os meus instantes
Passal-os a teus pés, grave e encrusado,
N'um tapete chinez, avelludado,
Com flores ideaes e extravagantes.
Nossa vida seria, ó pomba minha!
Mais leve do que a aza da andorinha...
E, nas horas calmosas, eu e tu...
Eu tambem já em tempos não distantes,
Fiz versos sensuaes e namorados,
Aos occasos de luz ensanguentados,
E á meiga e boa lua dos amantes.
E escrevi pelos albuns elegantes
Idyllios em papeis assetinados,
E, como a luz dos ponches inflammados,
Fiz odes ideaes e extravagantes.
Mas hoje emfim mudei, e inda ha bem pouco,
A diva por quem choro e vivo louco,
--A flor, a flor ideal das maravilhas...
Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais.
Animal directo e não indirecto,
Ninguem póde dizer que soffro ou tenho;
Eu não amo a princeza da Golconda,
Nem da prisão livral-a é meu empenho,
Qual paladim da Tavola Redonda.
E sinto-me ir minando; um mal extranho
Que ninguem sabe, e vista alguma sonda,
Me mata lentamente, como um lenho
Que vae levando, mar em fóra, a onda.
Todas as tardes fujo ao sol poente;
Recolho cedo a casa, e durmo quente,
E a Medecina já me desengana...