Geral

Ha já duzentos soes, ha quatro luas

    Ha já duzentos soes, ha quatro luas,
    Que te pedi que a Igreja abandonasses.
    Tu és cruel, Senhora! continúas,
    Como se agora apenas começasses.

    Á sexta-feira e ao sabbado jejuas,
    E tanto te pedi que não jejuasses.
    E o que dóe mais, Senhora, é que insinuas
    Em voz que tanto dóe: «Se me imitasses...»

    Nenhuns peccados tens. És anjo e santa.
    Boa como o ceu, simples como a planta,
    Cozes p'ros pobres, fazes boas-obras!

Novo dia

 

Já vem brilhando a luz do novo dia.

Homens se fundem aos anjos...

Galos emitem sons dourados dum certo troiado

Um verdor esplêndido nasce cheio de alegria.

 

 Nuvens tecem novas figuras geométricas no céu suntuoso.

Treme a casinha de campo ao longe do seringal:

Cachoeiras cristalinas, vento suave, vida longa sem igual...

Um recanto dadivoso.

 

Sopra o vento nas silhuetas da floresta...

Levantando um redemoinho de folhas talhadas,

Esparramando pelo o ar iluminado flores perfumadas

A LUA

Esse olhar silencioso
    Em que lingua se traduz?
    Falla-me, oh astro saudoso,
    Luz do céo, pallida luz!
      Que aereas visões me acordas,
    Que imagem, lua, recordas
    N'essa prateada côr?
    Que ha em ti, que a dôr mitiga,
    Que ha em ti, lampada amiga,
    De meigo e consolador?

*A ULTIMA CEIA DE FALSTAFF*

Nunca mais me permitte a sorte crua
Que ande ás portas batendo tresnoutado,
Vae morrer em beco, abandonado,
O maior bebedor que olhou a lua!

Dos braços da creada seminua
Nunca mais rolarei sobre o telhado;
E, ao relento, encherei, com passo errado,
De lettras cabalisticas a rua.

Vae morrer, morrer sim, por seus castigos,
O estomago que foi mais forte e cheio,
Que na Paschoa ceiou com Satanaz...

O Morto prazenteiro

Onde haja caracoes, n'um fecundo torrão,
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.

Detesto os mausoleus, odeios os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.

Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vae entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!

ESTATUA

 

Cancei-me de tentar o teu segrêdo:
No teu olhar sem côr,--frio escalpello,--
O meu olhar quebrei, a debate-lo,
Como a onda na crista d'um rochêdo.

Segrêdo d'essa alma e meu degrêdo
E minha obcessão! Para bebe-lo
Fui teu labio oscular, n'um pesadêlo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu osculo ardente, allucinado,
Esfriou sobre o marmore correcto
D'esse entreaberto labio gelado...

D'esse labio de marmore, discreto,
Severo como um tumulo fechado,
Serêno como um pélago quieto.

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