Geral

*A SELVAGEM*

Ás vezes, como os grandes _phantasistas_,
Sinto o desejo intenso das viagens...
E ir sosinho habitar entre os selvagens,
Como n'um ermo os asperos trapistas.

As grandes, vastas, limpidas paysagens,
Que sabem vêr os immortaes artistas...
Teriam novos tons, novas imagens,
Longe do mondo avaro e as suas vistas!

Com uma virgem--flor d'essas montanhas--
Entre os mil sons das arvores extranhas,
Dos coqueiros, bambus... fôra feliz!...

Sepultura d'um poeta maldito

Se, em noite horrorosa, escura,
Um cristão, por piedade,
te conceder sepultura
Nas ruínas d'alguma herdade,

As aranhas hão de armar
No teu coval suas teias,
E nêle irão procrear
Víboras e centopeias.

E sobre a tua cabeça,
A impedi-la que adormeça.
- Em constantes comoções,

Has de ouvir lobos uivar,
Das bruxas o praguejar,
E os conluios dos ladrões.

HOMO

 

Nenhum de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece...

Ninguem sabe quem sou... e mais, parece
Que ha dez mil annos já, neste degredo,
Me vê passar o mar, vê-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece...

Sou um parto da Terra monstruoso;
Do humus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pae nem mãe...

Mixto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanaz;--talvez um filho
Bastardo de Jehová;--talvez ninguem!

A JUSTINO DE MONTALVÃO

    Em St. Maurice (aqui perto) ha um convento
    De Franciscanos. Fui-me lá ha dias.
    Quando eu entrei, tocava a Avè-Marias.
    Iam ceiar. Fóra mugia o vento.

    Um pallido Christo, ao fundo da sala,
    Espalha em redor seu alvo clarão;
    E, quando se reflecte a Cruz pelo chão,
    Os frades ingenuos não ousam pisal-a.

    «Meu irmão...» disseram, ao verem-me á porta.
    Vontade, Senhor, tive eu de chorar!
    Tão só me sentia, pela noite morta...

Pages