_ELOGIO DA MORTE_
Autor: Antero de Quental on Friday, 4 January 2013
Porque languida essa frente Descai, quando a tarde espira? Porque nesse olhar dormente Tua alma ingenua suspira? Porque? ai! porque? responde; Que se amor do ceo procura, Eil-o; em meu peito se esconde; Vive, é teu, tens a ventura! Verás como então brilhante, Seduz, toma vida, inspira, Esse teu bello semblante, Que apenas hoje se admira! Ilha da Madeira--Novembro de 1850.
Ha já duzentos soes, ha quatro luas,
Que te pedi que a Igreja abandonasses.
Tu és cruel, Senhora! continúas,
Como se agora apenas começasses.
Á sexta-feira e ao sabbado jejuas,
E tanto te pedi que não jejuasses.
E o que dóe mais, Senhora, é que insinuas
Em voz que tanto dóe: «Se me imitasses...»
Nenhuns peccados tens. És anjo e santa.
Boa como o ceu, simples como a planta,
Cozes p'ros pobres, fazes boas-obras!
Já vem brilhando a luz do novo dia.
Homens se fundem aos anjos...
Galos emitem sons dourados dum certo troiado
Um verdor esplêndido nasce cheio de alegria.
Nuvens tecem novas figuras geométricas no céu suntuoso.
Treme a casinha de campo ao longe do seringal:
Cachoeiras cristalinas, vento suave, vida longa sem igual...
Um recanto dadivoso.
Sopra o vento nas silhuetas da floresta...
Levantando um redemoinho de folhas talhadas,
Esparramando pelo o ar iluminado flores perfumadas
Esse olhar silencioso
Em que lingua se traduz?
Falla-me, oh astro saudoso,
Luz do céo, pallida luz!
Que aereas visões me acordas,
Que imagem, lua, recordas
N'essa prateada côr?
Que ha em ti, que a dôr mitiga,
Que ha em ti, lampada amiga,
De meigo e consolador?
Nunca mais me permitte a sorte crua
Que ande ás portas batendo tresnoutado,
Vae morrer em beco, abandonado,
O maior bebedor que olhou a lua!
Dos braços da creada seminua
Nunca mais rolarei sobre o telhado;
E, ao relento, encherei, com passo errado,
De lettras cabalisticas a rua.
Vae morrer, morrer sim, por seus castigos,
O estomago que foi mais forte e cheio,
Que na Paschoa ceiou com Satanaz...
Onde haja caracoes, n'um fecundo torrão,
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.
Detesto os mausoleus, odeios os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.
Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vae entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!
Escrito em 7-5-1922.
Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.