Geral

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo

Cosi trapassa, al trapassar d'un giorno,
        Della vita mortale il fiore e 'l verde,
        Nè, perchè faccia indietro april ritorno
        Si rinfiora ella mai, nè si rinverde.

                                          TASSO.

    Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
    A luz que n'esta vida me guiava,
    Olhos fitos na qual até contava
    Ir os degraus do tumulo descendo.

CATURRAS

    Ah! compadre, a gente foge,
    Desabelha com calor;
    Aqui faz fresco na loge,
    É onde se está melhor;
    Mas que calor que fez hoje!

    --Pois, olhe, assim eu me désse
    De inverno quando faz frio,
    Como agora que elle aquece.
    Tome dois banhos no rio,
    Logo vê como arrefece.

    --Compadre, nunca me traga
    Taes coisas á collação;
    Lembra-me a maldita draga,
    Compadre do coração!
    Não me falle n'essa praga!

*O Meu Cachimbo*

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

*A Sombra*

Não tarda a sombra, ahi. Vae alto o Sete-Estrello
    São horas d'ella vir. Minha alma, attende!
    Que já a lua, a sentinella, rende
Na esplanada do céu, ás portas do Castello...

Oiço um rumor: talvez... Eil-a, é ella: ao longe, avisto
    Seu vulto em flor: postas as mãos no seio,
    Com o cabello separado ao meio,
Todo caido para traz, como o de Christo!

*MADRIGAL DA RUA*

Ó irmã das açucenas!
Meu coração é um horto,
Semeado de mais penas
Que as chagas d'um Christo morto.

Tanto é ver-te o meu desejo!
Tanto em mim poder conservas!
Que eu creio se não te vejo
Já ser debaixo das hervas!

..........................................

Debaixo d'essas janellas
Sempre crueis e fechadas,
Hontem á noute, ás estrellas,
Deram-me quatro facadas!

Mas nenhuma fez no peito
O mal,--que por minha cruz!
Os teus olhos me tem feito
Dando facadas de luz!

O PASSEIO DE SANTO ANTONIO

_A Columbano_

     La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous
     de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables
     pretextes à fiction qu'il recèle.

    (_Litterature à Tout á L'Heure_.)

Sahira Santo Antonio do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um candido sermão sobre o peccado.

DUVIDA

Amas-me a mim! Perdôa;
    É impossivel! Não,
    Não ha quem se condôa
    Da minha solidão.

    Como podia eu, triste,
    Ah! inspirar-te amor,
    Um dia que me viste,
    Se é que me viste... flôr!

    Tu, bella, fresca e linda
    Como a aurora, ou mais
    Do que a aurora ainda,
    Mal ouves os meus ais!

    Mal ouves porque as aves
    Só soltam de manhã
    Seus canticos suaves;
    E tu és sua irmã!

*Ao Canto do Lume*

Novembro. Só! Meu Deus, que insupportavel mundo!
    Ninguem, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
    Spleen o d'estas noites immortaes!

Faz tanto frio. (Só de a ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota mais carvão!
E quando todo se extinguir na aurea chamma,
Eu botarei (para que serve? já não ama...)
As cinzas brancas, meu vermelho coração!

Pages