Geral

FLÔR E BORBOLETA

Tu vôas, borboleta! e que eu não possa
              Voar, amor!
    Diversa como é n'isto sorte nossa!
              Dizia a flôr.

    No valle, ambas irmãs, nascidas fomos;
              És como eu sou;
    E amamo-nos, e flôres ambas somos,
              Mas eu não vôo.

    A ti leva-te o ar; prende-me a terra
              A mim; e eu
    Como hei-de perfumar-te em valle e serra,
              E lá no céo!...

LYRA XXII.

Muito embora, Marilia, muito embora
Outra belleza, que não seja a tua,
Com a vermelha roda, a seis puxada,
    Faça tremer a rua.

  As paredes da salla aonde habita
Adorne a seda, e o tremó dourado;
Pendão largas cortinas, penda o lustre
    Do této apainelado.

  Tu não habitarás Palacios grandes,
Nem andarás nos coches voadores;
Porém terás hum Vate, que te preze,
    Que cance os teus louvores.

CARTA:_Agradecendo alguns pratos, que despertárão a vontade de comer_.

Senhor, a dada Perdiz,
Acerejada, e fresquinha,
Veio emendar os estragos
Da enjoativa gallinha;

Esta ave he sempre odioza
A melancólicos dentes;
Faz lembrar ultimos caldos
De já perdidos doentes;

He, além disto, hum cruzado
Fugido do mialheiro;
Este meu mortal fastio
Custou rios de dinheiro;

Mas da vossa lauta meza
Bocados medicinais
Forão tão bem applicados,
Que me curárão de mais;

*Antonio Pedro*

      Antonio Pedro, astro fulgurante
      Que cruzas do tablado a vasta senda
      Como guerreiro impavido da lenda,
      Que, em busca de proesas, vaga errante.

      Eil o cingindo as armas de diamante!
      Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda,
      Cada vez mais se engolfa na contenda,
      Em prol da esquiva fama alti-sonante.

      Quando o veu do futuro descortino
      No alcáçar da justiça, que rebrilha
      Sabeis o que descubro, e vaticino?

Agora me Sinto Alegre e Inspirado

Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
    Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
                                                                           fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
    Com mão diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
    Se apenas meio me instruo, dobrada é minha ventura.
E acaso não é instruir-me, quando as formas dos seios
    Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?

Sed non satiata

Ó deidade fatal, anjo das frias trevas,
Pomo de tentação, lindo corpo cigano,
Com perfumes de musgo e de tabaco havano,
Ó fausto feminil que em teus filtros me enlevas!

Ao vinho de Constança, e ao ópio embriagante,
Eu prefiro o elixir da tua boca terna;
E no teu ígnio olhar, refrescante cisterna,
Mata a sede febril a minha dor crucidante.

Nos olhos infernais, espelhos da tua alma,
Monstro sem coração! a chama viva acalma;
Repara que eu não sou um Estígio incansável...

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...

Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto...

Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Aos Mesmos

De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.

Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.

Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.

Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mãos de marujos e lacaios.

Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

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