Geral

O Sr. Abbade

Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, _Caes_, tuberculozos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!

Tomo o regimen do Sr. Abbade,
E faço as pazes, elle o quer, com Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E ás capellinhas vou ver os judeus.

Que homem sem par! Ignora o que são dores!
Para elle uma ramada é o pallio verde,
Os cachos d'uvas são as suas flores!

D. João nos Infernos

Quando D. João baixou ao pélago sombrio,
E pagou a Caronte o óbulo supremo,
Um mendigo soez, de olhar sereno e frio,
Com pulso rijo e forte agarrou cada remo.

Mostrando os peitos nus, as túnicas rasgadas,
Criaturas feminis, convulsas, flagelantes,
Como um longo cordão de ovelhsa imoladas,
Seguiam atrás d'ele, em choro, soluçantes

Esganarelo, a rir, pediu lhe o seu dinheiro,
Ao passo que D. Luis, com a trêmula mão,
Mostrava, a toda a grei d'aquele cativeiro,
O filho que zombou das cans do ancião

LYRA XVIII.

Não ves aquelle velho respeitavel,
    Que á moleta encostado,
Apenas mal se move, e mal se arrasta?
Oh quanto estrago não lhe fez o tempo?
    O tempo arrebatado,
    Que o mesmo bronze gasta.

Enrugárão-se as faces, e perdêrão
    Seus olhos a viveza;
Voltou-se o seu cabello em branca neve:
Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo;
    Nem tem huma belleza
    Das bellezas que teve.

Pois se o homem, se anjo e nume

    Pois se o homem, se anjo e nume,
        Planta e flôr,
    Dá seu canto, luz, perfume,
        Crença e amor;

    Pois se tudo sobre a terra
        Que ame alguem,
    Rosa ou espinho, quanto encerra
        Dá, se o tem;

    Se os carvalhos, nus, medonhos,
        Veste abril;
    Se inda a noite presta aos sonhos
        Graças mil;

    Se onde ha ramo, voz uma ave
        Desprendeu;
    Se onde ha folha, gotta suave
        Cahe do céo;

CARTA: _Desculpando-se o Author de não ir a huns Annos_.

Senhora, em honra do Dia,
Esforçando a mão pezada,
Tómo a Lyra, ha longo tempo
Ao silencio consagrada;

E em quanto lhe alimpo as cordas,
Que bolor aos dedos dão,
E atarantadas aranhas
Despejando o bêco vão;

C'os olhos ao ar alçados
A' minha Muza pedia
Me désse sonóros Versos,
Dignos de Apollo, e do Dia;

Que me ensinasse a louvar
O ditozo Nascimento,
Que ao vosso brilhante Séxo
Trouxe mais hum ornamento;

*Taborda*

      Taborda, altivo heroe da gargalhada,
      Que dominas no palco com bravura,
      Quando vier sobre ti a morte escura,
      Hade sentir-se humilde, deslumbrada.

      E rindo a vez primeira enthusiasmada,
      Desfranzindo a medonha catadura,
      Ao vêr-te e ouvir-te em alegria pura,
      Despedaça a féra clava ensanguentada.

      Como subjugas cauto a morte ingrata,
      Vences tambem risonho a dúctil alma
      D'esta multidão gélida, pacata.

Aos olhos dele

Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.

Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!

Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor...
E grito então ao ver esses dois céus:

Cede a Filosofia à Natureza

Tenho assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, ó Sócrates, na mente,
À dor neguei das queixas o tributo.

Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza, eu vos escuto!

Jazer mudo entre as garras da Amargura,
D'alma estóica aspirar à vã grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.

Vontade de Dormir

Fios d'ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira -
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...

. . . . . . . . . . . . . . .

- Ai que saudade da morte...

. . . . . . . . . . . . . . .

Quero dormir... ancorar...

. . . . . . . . . . . . . . .

Arranquem-me esta grandeza!
- Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?...

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

Calou-se o monge: sepulchral silencio

Calou-se o monge: sepulchral silencio
Á sua voz seguiu-se. Uma toada
De orgam rompeu do côro. Assemelhava
O suspiro saudoso, e os ais de filha,
Que chora solitaria o pae, que dorme
Seu ultimo, profundo e eterno somno.
Melodias depois soltou mais doces
O severo instrumento: e ergueu-se o canto,
O doloroso canto do propheta,
Da patria sobre o fado. Elle, que o vira,
Sentado entre ruinas, contemplando
Seu avito esplendor, seu mal presente,
A quéda lhe chorou. Lá na alta noite,

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