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ASTRO DA RUA

Fazia hontem já tarde um nevoeiro espesso.
--Que insonia em mim produz este humido vapor!--
Eu vinha enfastiado, ou turvo, emfim confesso,
Dos fumos do café, da luz e do rumor.

Um fantastico véo cobria as longas praças;
E o gaz ria atravez da grande cerração
Que em lagrimas descia ao longo das vidraças
E em flocos d'alva neve humedecia o chão.

Eu mesmo achava em tudo um tom maravilhoso.
Dispuz-me a crer no ceu a amar este ideal:
Do subito eis que passa um astro radioso
Luzindo-me atravez do magico cendal!

MISERIA SANTA

Entrando esta manhã n'um templo da cidade
Aberto á multidão mas triste e quasi só,
O ver ao desamparo a velha magestade
N'um throno a desabar, meteu-me certo dó.

Restavam tão somente alguns dourados velhos
Do passado esplendor, e foi-me facil ver
Que uma nuvem de pó cobria os evangelhos
Como cousa esquecida e impropria de se ler!

A virgem, sobretudo; a mãe predestinada
Que o Golgotha lavou nas lagrimas de fel
Que sempre hade chorar toda a mulher amada,
Ou seja a mãe de Christo, ou seja a de Rossel;

*OS MONGES DE ZURBARAN*

(IMITADO DE TH. GAUTIER)

Monges de Zurbaran! ó magros solitarios,
Que ao longo deslisaes dos grandes claustros frios,
Correndo eternamente as contas dos rosarios!

Dos remorsos sentis os santos desvarios?
Que mal vos fez a Carne, algozes de tonsura?
Espectros monacaes cavados e sombrios?

Essa materia vil--que é divina esculptura,
E que o Justo vestiu nas santas tradições,
Com que lei e razão é que bradaes--Impura?

Ó lirios da cidade, ó corações doentes...

Ó lirios da cidade, ó corações doentes
Das vagas affecções modernas e galantes;
Eu sei que vós morreis aos sons agonisantes
Das orchestras febris,--nos sonhos dissolventes!

Sois os fructos gentis que balançaes pendentes
Nas arvores da vida; e os pobres viajantes
Famintos d'ideal, sorriem triumphantes
Julgando-vos colher nas seivas innocentes!

E tragam com fervor o pomo apetecido
Que deve ter um mel oculto no tecido,
--Um raio bom do sol que nos sorri tão alto;

Legenda do Santo

«Era uma vez um velho, mui velhinho,
Vinde, meus filhos! vinde ouvir contar!
Seguia, ao por-do-sol, por um caminho,
Dois saccos de Amargura a carregar.

O pobre velho, todo derreadinho,
Já não podia mais, queria arreiar;
Mas passa um cavalleiro: «Olá, santinho!
Eu deito-lhe uma mão para o ajudar...»

E o fidalgo desceu do seu cavallo:
Tomou-lhe os saccos que iam a matal-o
E aos hombros carregou com o maior!

LYRA VIII.

Marilia, de que te queixas?
De que te roube Dirceo
O sincero coração?
Não te deo tambem o seu?
E tu, Marilia, primeiro
Não lhe lançaste o grilhão?
    Todos amão: só Marilia
    Desta Lei da Natureza
    Queria ter izenção?

  Em torno das castas pombas
Não rulão ternos pombinhos?
E rulão, Marilia, em vão?
Não se afagão c'os biquinhos?
E a provas de mais ternura
Não os arrasta a paixão?
    Todos amão: só Marilia
    Desta Lei da Natureza
    Queria, ter izenção?

PRESENTIMENTO

    Emilia! não vês a lua
    Como vacilla e fluctua,
    Ora avança, ora recúa,
    E não ha passar d'alli?
    Tu és a imagem d'ella;
    És tão sympathica e bella,
    Meiga e timida, que ao vêl-a
    Me lembra sempre de ti!

    Tu és o botão de rosa
    Que abraçado á mãi formosa
    Só folga, só vive e goza
    N'aquella triste união;
    Treme até de ouvir a aragem
    Passar por entre a folhagem:
    Emilia! tu és a imagem
    Do mais timido botão.

A Musa Venal

Musa do meu amor, ó principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serões, de frio tiritante,
Com que has de acalentar os pésitos gelados?

Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubas aos céus iluminados?

Precisas, para obter o triste pão diário,
Fazer de sacristão e de turibulário,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,

_Na occazião em que o A. hia ver o Varatojo_.

Meu Amigo, duro Amigo,
Fatal, rígido Banqueiro,
Motivo dos meus pezares,
Herdeiro do meu dinheiro;

Em taes termos me deixaste,
Que sou deste rancho o nôjo;
E co'as lagrimas nos olhos
Parto para o Varatojo;

Por ti filho da pobreza,
Irei ser naquelle mato,
Qual foi São Sebastião,
Não na vida, mas no fato;

Vai tu seguindo a fortuna,
E leva a bandeira alçada,
De tarde na laranginha,
A' noite na Arrenegada;

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