Pensamento

DENTRE PAREDES

 

 

 

olham-se as paredes

 

-inquirindo o que?

 

ora se portando

 

como armários e aquarelas

 

ora como íntegras janelas

 

filtrando a volúpia

 

dos horizontes diários

 

de árdua compreensão

 

e doce fascínio

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

BENEVOLÊNCIA

 

 

 

sou como a semente

atirada à campina

pois, como ela

me regalo ou declino

 

às palavras me apego

como à uma idolatria

e sobeja-me

sua companhia

 

e se me sucede

um sinistro entrevero

dele me abdico

e riscos não corro

 

mas logo me refaço

-benevolente

e me calha apurar

a poesia somente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ofício

No fundo
Desenho nas cinzas
O que elas falam para mim
Balbucio-lhes um mumúrio
De resistência efémera
Insuflada pela imortalidade
Fugaz
Se frui
O fumo que me oculta
A evidência de me ser
Sozinho
Calado
Insatisfeito
                 Sempre
Com tudo aquilo que ainda não
                 Sou
Arquiteto de poemas
Engenheiro do descontentamento
Mestre da solidão

VARIÂNCIA

 

 

 

o tom de meus poemas

varia

varia também seu timbre

seu mistério

seu hemisfério de campo vasto

 

varia seu formato

sua temática

seu estilo escolástico

varia sua textura

e sua estrutura verbal

 

o que neles é invariável

(e nunca morre)

é a sua intenção de ser

chama infindável

em silêncios sem lume

 

 

 

DESAFIOS

 

 

 

ah este privilégio

de tanger

o indelével prazer

 

ah este sentimento

de obter

o inexprimível alento

 

ah esta necessidade

de contornar  

o vil descaminho

 

ah este desafio

de florir

sobre o sal da terra

 

ah esta pretensão

de superar

a própria imperfeição

 

 

ENÍGMA

 

 

 

palma da mão:

                    

                      salmo de Salomão

 

-quem poderá elucidar

 

                      os segredos do coração

                    

                      do homem que consolido

                                       

                      em mim?

 

 

A ÁGUA FLUI SEU CAMINHO

 

 

 

 

        Quando o mundo é descrito através de símbolos e signos, vale mais a imparcialidade de um cego que as trevas das descrições mundanas.

        Pois uma dada coisa não é uma coisa em si, é produto apenas da observação à partir de um dado referencial, que a descreve com o senso dos sentidos e de seus atributos familiares, conhecidos, constatados.

VIVER PLENAMENTE

 

 

 

sou o que

não restringe a aptidão

de viver plenamente

 

sou o êxodo da existência

que paira no ventre das nuvens

solto no galope da ventania

 

fiel à certeza

que em mim recompôs

a compostura de homem/húmus

 

fincado na imprecisão

e gerindo a própria razão

com extenuo esforço

 

arremessando para longe

as maldições

que me abstenho de carregar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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