Segredos

Deixa-me falar-te agora dos segredos

Que carrego.

Vou falar-te sobre a transmutação

Das plantas.

Do trigo em oiro e do lírios em diamantes.

Vou descrever-te o nome que o luar

Trás à solidão da memória

E o calor das mãos feitas sol.

Aqui, neste lugar onde o incenso

Se liberta da vida, o mar

Não para de se fazer sentir

Em cada célula que se descobre

Em nós.

E de mãos enlaçadas

Caminhamos de cabeça erguida

Na procura do lugar que um dia

Desenhámos.

 

Solidão

Viver na solidão de um mundo imaginário,
Que é meu e de mais ninguém,
Nas profundezas de um aquário,
Onde não sou tratada com desdém.

Lá sou um ser minúsculo e mitológico,
Onde tudo é novo e pronto a explorar,
Para os outros, pode não ser lógico,
Mas criei-o para ter onde me refugiar.

Refugiar-me deste mundo sem união,
Onde vive cada um por si, estão a pisar
E não querem saber quem está no chão,
O que interessa é que eles vão vingar!

Livro

Não tinha onde escrever,
Então escrevi em ti,
Para não esquecer
Tudo aquilo que senti.

Quando te estava a ler
Meu inconsciente viajou ,
No teu interior foi viver
O meu corpo abandonou.

Fiz da tua a minha história
Com momentos de ternura,
E conquistei a minha glória
Num momento de bravura.

Regressei à realidade
Quando te acabei de ler,
Mas ficou a vontade
De um dia te reler.

Tristeza

 

 

Hoje ela chegou sorrateira,

Não a percebo a caminho,

Só a sinto quando, de tão próxima,

Pode apertar-me o peito.

Fazendo-o, deixa-me sem fôlego,

Sem ânimo,

Numa tristeza que me toma a vontade dos dias.

Chega a mim atraída pela saudade,

Pela vontade comedida,

Pelo querer interdito de voltar ao meu deleite.

Ah! Se não me houvessem os medos,

Se longe de mim a insegurança,

Se o mudar não me fosse penoso,

Tu não me eras companheira, Tristeza,

Mulher! quando nos braços

Mulher! quando nos braços
    Te escuto uma canção,
    Não vês em meus abraços
    Profunda commoção?
      É que o teu canto á mente
    Me traz vida melhor...
                Ah!
    Cantai continuamente,
    Cantai, oh meu amor!

    Quando sorris, assume
    Teu rosto uma expressão,
    Que o mais feroz ciume
    Se desvanece então.
      Sorriso tal desmente
    Um coração traidor...
                Ah!
    Sorri continuamente,
    Sorri, oh meu amor!

*O SELVAGEM*

A Silva Qinto

Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.

Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
--Passividade estupida das Cousas.

Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N'um egoismo barbaro e escuro.

Obsessão

Os bosques para mim são como catedraes,
Com organs a ulular, incutindo pavor...
E os nossos corações, - jazidas sepulcraes,
De profundis também soluçam, n'um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh'alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.
Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada , o Tenebroso, o Nu!

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