NOIVA

_A João da Silva_

«Anda a dôr dissimulada
Mas ella dará seu fruito.»

Crisfal

     «_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._»

     (_Trecho duma carta_)

Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vae ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquillo no meu peito
--Continuou a bater como batia...

Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciume? Nem sequer saudade?!
--E nem ciumes, nem saudade achava...

DESCALÇA!

    Quem és, que ao vêr-te o coração suspira,
            E em puro amor desfaz-se!
    Raio crepuscular do sol que nasce,
            De lampada que expira!

    Como os teus pés são lindos! como é dôce
            A curva do teu peito!
    Oh! se o meu coração fosse o teu leito,
            E o teu amado eu fosse!

    Que preciosas perolas descobre
            Teu meigo humido labio!
    E, virgem! como Deus foi justo e sabio
            Em te fazer tão pobre!

*AQUELLA ORGIA*

Nós eramos uns dez ou onze convidados,
--Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.

Tocava o termo a ceia--e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.

Todos riam sem causa.--A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
--E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.

Logica

    Ai d'aquelles que, um dia, depozeram
    Firmes crenças n'um bem que lhes voou!
    Ai dos que n'este mundo ainda esperam!
    Terão a sorte de quem já esperou...

    Ai dos pobrinhos, dos que já tiveram
    Oiro e papeis que o vento lhes levou!
    Ai dos que tem, que ainda não perderam,
    Que amanhã, serão pobres como eu sou.

    Ai dos que, hoje, amam e não são amados,
    Que, algum dia, o serão, mas sem poder!
    Ai dos que soffrem! ai dos desgraçados

Como Desejava Ter-te Aqui

Há tanto tempo não te via,
Já nem pensava em ti,
Encontrei-te noutro dia
E o passado revivi

Acordaste o sentimento
Que há muito adormeci,
Voltou meu sofrimento
Porque só penso em ti

Estava em ti a pensar,
No meio de tanta gente,
Pensei estar a delirar,
Quando ficámos frente a frente

Meu coração disparou
Num ritmo alucinado,
Será que alguém reparou
No meu olhar apaixonado

INSÔNIA

Não dormi

Apenas fechei os olhos,

Senti o teu corpo inteiro,

Com cheiro de madeira

Com gosto de hortelã;

 

Toquei-te...

Em minha imaginação,

Meu pensamento fez o caminho

Da tua anatomia

 

Ah! Que adrenalina!

Bebi da seiva de sua boca

No ósculo que te dei.

Banhei-me nas águas cristalinas,

Do teu transpirar,

Em suas mãos quase desfaleci

No arrebatamento da suavidade do seu toque.

 

Abracei-te...

E seu cheiro de homem

MÃOS FRIAS CORAÇÃO QUENTE

Dez da manhã. Vento da
serra. Tres graus negativos

_Mãos frias, coração quente_!
Quanta vez isto dizias
Com o teu ar sorridente,
Apertando-me as mãos frias...

Agora decerto o tenho
Num brazeiro, num vulcão.
O frio é tanto, é tamanho
Que a penna cae-me da mão...

Q'ria dizer-te o que penso
E o que faço e premedito,
Mas posso lá ser extenso
Com este frio maldito!

Tu perdoas certamente,
Tu não te zangas, pois não?
_Mãos frias, coração quente_
--Lá diz o velho rifão...

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