O QUE O FOGO POUPOU DUM POEMETO QUEIMADO
Autor: Augusto Gil on Tuesday, 18 December 2012_Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_
I
Escrevo em testamento este poema
Que elle tenha, na angustia com que o ligo,
O brilho rutilante duma gemma
Achada nos farrapos dum mendigo...
Ao vesperal crepusculo da vida
E sob o olhar da morte é que o componho;
Erguendo assim, por minha despedida,
O ultimo escalão dum alto sonho.
Nesse degrau que d'entre os soes dispersos
Hade attingir a cúpula dos céus,
Direi ao mundo os derradeiros versos,
Porei o coração nas mãos de Deus!
*O Somno de João*
Autor: António Nobre on Tuesday, 18 December 2012O João dorme... (Ó Maria,
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engulil-o um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!
Se ao enlaçal-a no peito
Autor: João de Deus on Tuesday, 18 December 2012Se ao enlaçal-a no peito
Me cahe desfeita uma flôr,
Lembras-me, sonho desfeito!
Sonho d'amor!
Se a borboleta do calix
D'um lirio aos ares se ergueu,
Lembras-me, estrella dos valles!
Lirio do céo!
Se inda um affecto em mim vive
Entre os que mortos possuo,
Lembras-me, sonho que eu tive!
Lembras-me tu!
Coimbra.
*LISBOA*
Autor: Gomes Leal on Tuesday, 18 December 2012Cette ville est au bord de l'eau; on dit qu'elle este batie en
marbre...
(Baudelaire)
De certo, capital alguma n'este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d'aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes--e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d'estio a flor de larangeira!
A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica
Autor: Nicolau Tolenti... on Tuesday, 18 December 2012_A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica; que
tomava triaga contra o veneno que ainda lhe havião de dar; que dizia que
estava eleito Cardeal; e que era demaziadamente trigueiro, se deo este_
MOTE.
_Não tem côr de Cardeal_
Não ajuda ao Padre a cara;
Revolvo antigos Annaes,
E vejo que os Cardeaes
Tinhão a pelle mais clara;
Será maravilha rara
Achar hum de côr igual;
Forão brancos como a cal
Mazarino, e Alberoni;
E a não ser este o Negroni,
Não tem côr de Cardeal.
CONSOLAÇÃO
Autor: Soares de Passos on Tuesday, 18 December 2012
No dia brancamente nublado entristeço
Autor: Alberto Caeiro on Monday, 17 December 2012
Escrito em 1-10-1917.
No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo...
O NOSSO LAR
Autor: Augusto Gil on Monday, 17 December 2012_A Antonio Arroyo_
«Sonhar a vida é apenas entretel-a.
Partamos della para nós, senão
Lá vae o coração para uma estrella
E fica a gente sem o coração!»
_GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_
Quem vir--como eu os vejo--decorrer
Annos e annos duma vida rasa
Em miseraveis quartos d'aluguer,
Frios no inverno e no estío em braza,
--A um amôr sonhado de mulher
Allía sempre o sonho duma casa...
O aspecto duma casa raro mente,
A côr, as linhas duma frontaria
Dão logo a perceber nitidamente,
*A Vida*
Autor: António Nobre on Monday, 17 December 2012Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d'Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n'um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!
Ó Quarta-feira de Trevas!