No Cabaré-Verde às cinco horas da tarde

Oito dias a pé, as botinas rasgadas
Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio.
- No Cabaré-Verde: pedi umas torradas
Na manteiga e presunto, embora meio frio.

Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa
Verde e me ponho a olhar os ingênuos motivos
De uma tapeçaria. - E, adorável surpresa,
Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos

- Essa, não há de ser um beijo que a amedronte! -
Sorridente me trás as torradas e um monte
De presunto bem morno, em prato colorido;

A Voz da Tília

Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera...

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da Primavera...
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine..."

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
Não sabe mais que cousa é ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.

Amor a Amor Nos Convida

Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co'a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida.

Bocage, in 'Amor a amor nos convida (Décimas sobre verso único)'

Perdi os Meus Fantásticos Castelos

Perdi meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

A noite escura desce: o sol de todo

A noite escura desce: o sol de todo
Nos mares se atufou. A luz dos mortos,
Dos brandões o clarão, fulgura ao longe
No cruzeiro sómente e em volta da ara:
E pelas naves começou ruído
De compassado andar. Fiéis acodem
Á morada de Deus, a ouvir queixumes
Do vate de Sião. Em breve os monges,
Suspirosas canções aos céus erguendo,
Sua voz unirão á voz desse orgam,
E os sons e os ecchos reboarão no templo.
Mudo o côro depois, neste recincto
Dentro em bem pouco reinará silencio,

Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro;

Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro;
Que no espaço entre o abysmo e os céus vagueias,
D'onde mergulhas no oceano a vista;
Tu que do trovador á mente arrojas
Quanto ha nos céus esperançoso e bello,
Quanto ha no abysmo tenebroso e triste,
Quanto ha nos mares magestoso e vago,
Hoje te invoco!--oh vem!--lança em minha alma
A harmonia celeste e o fogo e o genio,
Que dêm vida e vigor a um carme pio.

*O PUBLICANO*

Ils erraient sales et immonds, et avaient des dévotions hypocrites
     (Dubois)

Um graõ doutor da Lei dizia ao publicano,
Junto ao atrio do templo, em tempos da Judea,
Tambem tu vens orar, publicano sereia,
A tua casa ardeu, ou deu na vinha o damno?

Jejuas tu agora e resas todo o anno,
Tu que levas o pobre e o orphão á cadeia,
Que tiras á viuvez o pão, o leito, e a teia,
Tu que és avaro e vil, pagão como um Romano?!

Pages