SAUDADE

    Em acordando agora,
    O meu contentamento
    É vêr em cada aurora
    Um dia de tormento!

    Podesse eu dar-te a prova
    Dos dias que me esperam,
    Lançando-me na cova
    Onde elles te pozeram!

    Lançassem-me algum dia
    Ao pé, que de repente
    O coração te havia
    De ainda pular quente...
 
    A face cobrar logo
    A fórma e côr perdida,
    E a bocca toda fogo
    Ah! inspirar-me a vida!

_A huma Preta, que pertendia que a obsequiassem_.

Domingas, debalde queres,
Nesse canto da Cozinha,
Vencer a invencivel teima
Da rebelde carapinha;

Em vão te arripia a frente,
De que zomba o Deos de Amor,
Alvo côto de pomada,
Furtado do Toucador;

Debalde tufado laço
De atadeira fitta Ingleza
Te assombra a lêveda pôpa,
Rissada por natureza.

Debalde altêas as ancas,
Esguias, e enganadoras,
Co'as velhas algibeirinhas,
Que vão deixando as Senhoras,

_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao A. este prato_.

Senhora, tambem hum dia
Entrarei co'a frente erguida;
Não serei na vossa meza
Dependente toda a vida;

Nem sempre abatido pejo
Dirá nesta cara feia
Quanto doe a hum peito altivo
Matar fome em caza alheia;

Airozo, gordo Perum,
He meu soberbo prezente;
Traz inda as pennas molhadas
Co'pranto da minha gente;

No Santo Dia esperavão,
Quebrando antigo jejum,
Cravar inexpertos dentes
Neste primeiro Perum;

*O terremoto*

      Com fragor açoitando a vaga escura,
      O temporal irado, espumacento
      Cavalga um perfido corcel--o vento--
      Que solta gargalhadas de bravura.

      Treme a terra, e com horrida figura,
      Como Athlante, sacóde o turvo argento;
      Nos gonzos oscillando o pavimento,
      Dançam torres no assomo da loucura.

      Vae o fogo alastrando o aureo manto,
      As ruinas trucidam fugitivos,
      Que sangrentos se abraçam convulsivos!

De quem o mesmo Amor não se Apartava

Já a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De Sílvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive ausente,

Sátira

Besta e mais besta! O positivo é nada...
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.

Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d'Elmano a fúria temes...
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.

Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.

O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...

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