Geral

*A UMA VOZ CELESTE*

A. C. de Carvalho

Na noute que passou
O Christo no Calvario,
Um rouxinol cantou
Sobre a Cruz, solitario.

Os trigueiros soldados,
E os lyrios de Salem
Perguntavam pasmados
--Que voz canta tão bem?

Como sentindo os males
Das suas proprias penas
Vergavam-se nos calix
Chorando as açucenas.

Choravam os caminhos,
Os dados, os cilicios,
A grinalda d'espinhos,
E a esponja dos supplicios.

a poesia jamais partirá

Meus pais sempre me diziam:

- filha largue a poesia,

porque você não vai trabalhar

naquele lugar carimbando

todo o dia?

É maravilhoso lá

ouvimos dizer

que os papéis nunca param de chegar

vais poder carimbar

carimbar 

e carimbar

e trabalho jamais vai 

lhe faltar

 

Eu lhes disse com um pouco de dor

pois todo e qualquer um 

deseja aos pais dar orgulho:

- amados pais,

por mais que eu a poesia abandonar

sem ela

não poderei respirar

o silêncio das pedras

 

Não desmereça o tempo
em sua face menos visível
atua o ínfimo

Teu poder absoluto desafia os mares
e teu cálculo impossível
entrega aos céus o meu destino

Todas as pedras me contam algo
até mesmo as pisadas que viveu
quando ainda meninos
subiam nos barcos piratas
e descobriam outros mundos
(tesouros secretos de casas amplas)

Meus austeros passos
derramam meu sangue pelo caminho
 

*O DOENTE ROMANTICO*

Eu sei que morrerei, discreta amante,
Antes do inverno vir; mas, lentamente,
Quero morrer á tua luz radiante,
Como os tisicos á luz do sol poente!

Sou romantico assim! O tempo ardente
Das chimeras vae longe! Vão, constante,
Morrerei crendo em ti... e o azul distante
Olhando como um sabio ou um doente!...

--Mas, eu não preso a tarde ensanguentada...
Nem o rumor do Sol!--quero a calada
Noute brumosa junto do Oceano...

Pages