Geral

Mamã

    Toda a Paz, todo o Amor, toda a Bondade,
    Toda a Ternura que de ti me vêm,
    Amparam-me esta triste mocidade
    Como nos tempos em que tinha Mãe.

    Quanto eu te devo! Odios, impiedade,
    Indignações e raivas contra alguem,
    Loucuras de rapaz, tedios, vaidade,
    Tudo isso perdi--e ainda bem!

    Salvaste-me! Trouxeste-me a Esperança!
    Nunca m'a tires não, linda criança,
    (Linda e tão boa não o farás, talvez!)

O mar que embala, ás noites, o teu somno

    O mar que embala, ás noites, o teu somno
    É o mesmo, flor! que á noite embala o meu.
    Mas em vão canta a minha ama do Outomno,
    Pois pouco dorme quem muito soffreu.

    Mas tu feliz qual rainha sobre o throno,
    Dormes e sonhas... no que, bem sei eu!
    O teu cabello solto ao abandono,
    As mãos erguidas de fallar ao céo...

    Feliz! feliz de ti, doce Constança!
    Reza por mim, na tua voz chymerica,
    Uma Avè-Maria de Esperança!

O lagarto está chorando

 

O lagarto está chorando 
A lagarta está chorando 

O lagarto e a lagarta 
Com aventaizinhos brancos 

Hão perdido sem querer 
Seu anel de casamento 

Ai! Seu anelzinho de chumbo, 
Ai, seu anelzinho chumbado 

Um céu grande e sem gente 
Monta em seu globo aos pássaros 

O sol, capitão redondo 
Leva um colete de raso 

Olhem que velhos são! 
Que velhos são os lagartos! 

Ai como choram e choram, 
Ai! Ai! Como estão chorando!

 

 

Livro

Não tinha onde escrever,
Então escrevi em ti,
Para não esquecer
Tudo aquilo que senti.

Quando te estava a ler
Meu inconsciente viajou ,
No teu interior foi viver
O meu corpo abandonou.

Fiz da tua a minha história
Com momentos de ternura,
E conquistei a minha glória
Num momento de bravura.

Regressei à realidade
Quando te acabei de ler,
Mas ficou a vontade
De um dia te reler.

Mulher! quando nos braços

Mulher! quando nos braços
    Te escuto uma canção,
    Não vês em meus abraços
    Profunda commoção?
      É que o teu canto á mente
    Me traz vida melhor...
                Ah!
    Cantai continuamente,
    Cantai, oh meu amor!

    Quando sorris, assume
    Teu rosto uma expressão,
    Que o mais feroz ciume
    Se desvanece então.
      Sorriso tal desmente
    Um coração traidor...
                Ah!
    Sorri continuamente,
    Sorri, oh meu amor!

*O SELVAGEM*

A Silva Qinto

Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.

Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
--Passividade estupida das Cousas.

Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N'um egoismo barbaro e escuro.

Obsessão

Os bosques para mim são como catedraes,
Com organs a ulular, incutindo pavor...
E os nossos corações, - jazidas sepulcraes,
De profundis também soluçam, n'um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh'alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.
Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada , o Tenebroso, o Nu!

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