Geral

A Voz da Tília

Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera...

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da Primavera...
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine..."

Amor a Amor Nos Convida

Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co'a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida.

Bocage, in 'Amor a amor nos convida (Décimas sobre verso único)'

A noite escura desce: o sol de todo

A noite escura desce: o sol de todo
Nos mares se atufou. A luz dos mortos,
Dos brandões o clarão, fulgura ao longe
No cruzeiro sómente e em volta da ara:
E pelas naves começou ruído
De compassado andar. Fiéis acodem
Á morada de Deus, a ouvir queixumes
Do vate de Sião. Em breve os monges,
Suspirosas canções aos céus erguendo,
Sua voz unirão á voz desse orgam,
E os sons e os ecchos reboarão no templo.
Mudo o côro depois, neste recincto
Dentro em bem pouco reinará silencio,

Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro;

Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro;
Que no espaço entre o abysmo e os céus vagueias,
D'onde mergulhas no oceano a vista;
Tu que do trovador á mente arrojas
Quanto ha nos céus esperançoso e bello,
Quanto ha no abysmo tenebroso e triste,
Quanto ha nos mares magestoso e vago,
Hoje te invoco!--oh vem!--lança em minha alma
A harmonia celeste e o fogo e o genio,
Que dêm vida e vigor a um carme pio.

*O PUBLICANO*

Ils erraient sales et immonds, et avaient des dévotions hypocrites
     (Dubois)

Um graõ doutor da Lei dizia ao publicano,
Junto ao atrio do templo, em tempos da Judea,
Tambem tu vens orar, publicano sereia,
A tua casa ardeu, ou deu na vinha o damno?

Jejuas tu agora e resas todo o anno,
Tu que levas o pobre e o orphão á cadeia,
Que tiras á viuvez o pão, o leito, e a teia,
Tu que és avaro e vil, pagão como um Romano?!

HISTORIA SIMPLES

Havia um rapaz são, robusto, bom, valente,
De espadua larga e rija; um ceifador gentil.
Cavava todo o dia, andou sempre contente
E a feria dava á mãe sem falta d'um ceitil.

Elle amava a campina e os ceus largos, serenos.
Aos domingos a mãe deixava-lhe uns dez reis.
Deitava-se ao luar, dormindo sobre os fênos,
Na fragrancia do trêvo, ao pé dos cães fieis.

*Purinha*

O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p'ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: _Sim_!
Ha-de ser alta como a _Torre de David_,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d'uvas,
E negro como a capa das viuvas...
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,

LYRA V.

A caso são estes
Os sitios formosos,
Aonde passava
Os annos gostosos?
São estes os prados,
Aonde brincava,
Em quanto pastava
O manso rebanho,
Que Alceo me deixou?
    São estes os sitios?
    São estes; mas eu
    O mesmo não sou.
    Marilia, tu chamas?
    Espera que eu vou.

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