SAUDADE
Autor: Soares de Passos on Saturday, 24 November 2012
Ai quem me dera uma feliz mentira
que fosse uma verdade para mim!
J. DANTAS
Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?
Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!
Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...
Lusos heróis, cadáveres cediços,
Erguei-vos dentre o pó, sombras honradas,
Surgi, vinde exercer as mãos mirradas
Nestes vis, nestes cães, nestes mestiços.
Vinde salvar destes pardais castiços
As searas de arroz, por vós ganhadas;
Mas ah! Poupai-lhe as filhas delicadas,
Que. Elas culpa não têm, têm mil feitiços.
De pavor ante vós no chão se deite
Tanto fusco rajá, tanto nababo,
E as vossas ordens, trémulo, respeite.
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:
(A RAMIRO DE FIGUEIREDO)
A triste viuvez tua,
Creança de olhos suaves,
Lembra-me as noites sem lua,
Lembra-me os ninhos sem aves.
Tão bonita e sem amores,
Á minha mente recordas
Uma jarra sem ter flores
Um bandolim sem ter cordas.
Oh meiga rôla sem par,
Á phantasia revelas
Uma barca em pleno mar
Sem ter leme e sem ter velas.
Moreninha idolatrada
Que o loiro Amor não seduz,
És como estrella apagada
És como um astro sem luz;
Senhor da Força, nós, o heroe lendario,
Da Terra o domador, o sabio, o forte,
Dir-se-ia que jurámos ante a morte
Guerra d'irmão a irmão!...
Mais féros do que os tigres, destruimo-nos
A ferro, a fogo, a polvora, a metralha,
Deixando, pelos campos de batalha,
O sangue, a assolação!...
Como um grande borrão de fogo sujo
O sol posto demora-se nas nuvens que ficam.
Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma.
Fecundarás a terra com o suor do teu rosto.
Cavae, eternamente, a velha terra!
Soffrei, suae, gemei na dura enxada,
Fecundae-a na paz ou pela guerra,
Quer seja pelo arado ou pella Espada,
Ó Homem! trabalhar é tua herança
Até que a Morte, emfim, grite--descança!
É a Arvore a tua companheira
O lar, a tenda, a sombra de teus passos,
Da tua amante a perfumada esteira,
Como bençãos t'estende os longos braços!
E ou seja em teu inverno, ou teu estio,
E teu berço, teu leito, e teu navio!
Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, _Caes_, tuberculozos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!
Tomo o regimen do Sr. Abbade,
E faço as pazes, elle o quer, com Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E ás capellinhas vou ver os judeus.
Que homem sem par! Ignora o que são dores!
Para elle uma ramada é o pallio verde,
Os cachos d'uvas são as suas flores!
Quando D. João baixou ao pélago sombrio,
E pagou a Caronte o óbulo supremo,
Um mendigo soez, de olhar sereno e frio,
Com pulso rijo e forte agarrou cada remo.
Mostrando os peitos nus, as túnicas rasgadas,
Criaturas feminis, convulsas, flagelantes,
Como um longo cordão de ovelhsa imoladas,
Seguiam atrás d'ele, em choro, soluçantes
Esganarelo, a rir, pediu lhe o seu dinheiro,
Ao passo que D. Luis, com a trêmula mão,
Mostrava, a toda a grei d'aquele cativeiro,
O filho que zombou das cans do ancião