Tenho Tanto Sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Oh sim!--rude amador de antigos sonhos

Oh sim!--rude amador de antigos sonhos,
Irei pedir aos tumulos dos velhos
Religioso enthusiasmo, e canto novo
Hei-de tecer, que os homens do futuro
Entenderão; um canto escarnecido
Pelos filhos dest' epocha mesquinha,
Em que vim peregrino a ver o mundo.
E chegar a meu termo, e reclinar-me
Á branda sombra de cypreste amigo.

MUNDO INTERIOR

      Materia ou Força, Lei ou Divindade
      Quem quer que seja que dirige o mundo,
      Esparze em tudo o espirito fecundo
      Do Summo Bem--Belleza, Amôr, Verdade.

      Á luz d'esta Santissima Trindade,
      Cercado d'esplendor, clamo e jucundo,
      Sorri-me em volta o universo; ao fundo,
      Por synthese Suprema, a Humanidade!

      Dos homens rujam temporaes medonhos...
      Que em mim, no meu labôr, do Bem sedento,
      Meus dias correm limpidos, risonhos!

*Á JANELLA DO OCCIDENTE*

O mundo oscilla
     (Luthero)

Os deuses ou são mortos ou caídos,
Quaes duros aldeões dormindo as sestas,
Ou andam pelos astros perseguidos
Chorando os velhos tempos das florestas,

Os reis ressonam nas devassas festas:
Já os fructos do Mal estão crescidos:
Ó Sol, ha muito que tu já nos crestas!
E aos nossos ais o Ceu não tem ouvidos!

Ha muito já que o Olympo está vazio,
E no seio d'um astro immenso e frio
É morto o Deus do Testamento Velho.

Eu vi passar, além, vogando sobre os mares...

Eu vi passar, além, vogando sobre os mares
O cadaver d'Ophelia: a espuma da voragem
E as algas naturaes, serviam de roupagem
Á triste apparição das noites seculares!

Seguia tristemente ás regiões polares
Nos limos das marés; e a rija cartilagem
Sustinha-lhe tremendo aos halitos da aragem,
No peito carcomido, uns grandes nenuphares!

Oh! lembro-me que tu, minha alma, em certos dias
Sorriste já, tambem, nas vagas harmonias
Das cousas ideaes! mas hoje á luz mortiça

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