O Meu Soneto

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

A minha mãe

As illusões semelham-se a um collar
De perolas alvissimas, de espuma.
Se o fio que as segura se quebrar,
Cahem no chão, dispersas, uma a uma.

Cahem no chão, dispersas, uma a uma,
Se o fio que as segura se quebrar;
Mas entre tantas sempre fica alguma,
Sempre alguma suspensa ha de ficar.

D'as minhas illusões, dos meus affectos,
Longo collar de amores predilectos,
Muitos rolaram já no pó tambem.

Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento

A criança loura
Jaz no meio da rua.
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que bóiam nas banheiras —
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...

E o da criança loura?

*Antonio*

Que noite de inverno! Que frio, que frio!
    Gelou meu carvão:
Mas boto-o á lareira, tal qual pelo estio,
    Faz sol de verão!

        Nasci, n'um Reino d'Oiro e flores
        Á beira-mar.

Ó velha Carlota, tivesse-te ao lado,
    Contavas-me historias:
Assim... desenterro, do val do passado,
    As minhas Memorias.

        Sou neto de Navegadores,
        Heroes, Lobos d'agoa, Senhores
        Da India, d'Aquém e d'Além-mar!

II

 Patria! a Patria! dá rebate e chama,
    Chama por todos nós.
Ha uma corrente electrica que inflamma
    Os netos e os avós!

Irrompe a multidão a afiar a espada
    Do combate leal,
No pedestal da Estatua immaculada
    No eterno pedestal,

E vae cobrir de lucto a grande Imagem
    Do heroico luctador,
Como um protesto contra a villanagem
    Do estrangeiro rancor!

LYRA II.

Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.

  Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;
Por isso o conheço bem.

A UMA MULHER

Amo-te a ti, e a Deus.
    Teus sonhos são riquezas
    Talvez e fasto. Os meus,
    És tu, que me desprezas.

    Deixal-o. Amor acaso
    É racional? Não é.
    O fogo em que me abrazo
    É como a luz da fé;

    Que além de cega, apaga
    O facho da razão.
    Ama-se e não se indaga
    Se se é amado ou não.

    Amo-te. O mais ignoro.
    Mas os meus ternos ais
    E as lagrimas que chóro
    Podem dizer o mais.

Benção

Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d'este mundo insofrido
A desolada mãe, numa crise de blasfêmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:

— "Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijão!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!

Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar inffeliz quem a si me ligou,
E não posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.

QUINTILHAS: _Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez do Lavradio_.

Se os Versos, que outra ora fiz
Escutastes prompto, e attento;
E se aos pés, que abraçar quiz,
Achou grato acolhimento
A minha Muza infeliz;

Dai-me benignos ouvidos
A outros, em dôr traçados,
D'arte, e de enfeite despidos;
Pela verdade dictados,
E a vós, Senhor, dirigidos;

Em louvores não os fundo,
Pois sei que sempre os pizastes;
E co'as mais acções confundo
As do tempo, em que tomastes
As rédeas do Novo Mundo;

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