O QUE EU VI

      Sahi um dia a contemplar o mundo,
      Por vêr quanto ha de bello e quanto brilha
      Na multipla e gloriosa maravilha,
      Que anda suspensa em o azul profundo!

      Vi montes, vales, arvores e flôres,
      Limpidas aguas, múrmuras torrentes,
      Do grande mar as musicas plangentes,
      Dos céus sem fim os trémulos fulgôres!

      Trouxe os olhos tão ricos de belleza,
      O coração tão cheio de harmonia,
      De quanto havia em terra, mar e céos,

Profissão de fé

Não vão pensar que a minha musa seja
Alguma apparição allucinante
De olhar azul e labios de cereja,
Diadema d'oiro e espada flammejante.

A musa protectora d'estes versos
Detesta a rima altiva dos pamphletos,
Educa-me em principios bem diversos:
--Lê-me Petrarcha, o mestre dos sonetos.

Não me ensina a cantar imprecações
Contra as torpes gangrenas mundanaes,
Inspira-me sómente estas canções
Que vos fallam d'amor--e nada mais.

I

Num vozear estridulo e vibrante,
    Irrompe a multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
    Em cada coração.

Vem pagar uma divida sagrada,
    E, em francas ovações,
Junto á Estatua de bronze immaculada,
    Victoría Camões.

Três seculos havia, a morte escura
    Fulminara esse heroe,
Que até na doce paz da sepultura
    Tão desgraçado foi!

Três seculos havia. Inenarravel,
    Essa agonia atrós:
No catre do hospital, inexoravel,
    A Morte, o duro algoz.

LYRA I.

Eu, Marilia, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóes queimado.
Tenho proprio casal, e nelle assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite,
Das brancas ovelhinas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
    Graças, Marilia bella,
    Graças á minha Estrella!

DUAS ROSAS

Que bonita, meu amor!
    Que perfeita, que formosa!
    A ti pozeram-te Rosa,
    Não te fizeram favor.
    A rosa, quem ha que a veja
    Bandeando, sem gostar?
    Mas por mais linda que seja
    A rosa, quando se embala,
    Não te ganha nem iguala
    A ti em indo a andar.

QUINTILHAS: _Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de S. Lourenço_.

Ante vós, Claro Senhor,
Que pondes os sãos cuidados
De bons estudos no amor,
E que d'homens applicados
Sois o exemplo, e o protector;

Levanto sem pejo a voz;
Que essa alma nunca despreza
O pouco que encontra em nós;
Não produz a Natureza
Muitos homens como vós;

Pois vi outr'ora amparado
O discreto, e doce Brito,
Triste moço, em flor cortado,
Que hia alevantando o esprito,
De vossas luzes guiado;

MEMORIA Á MINHA MÃE AO MEU PAE

Aquelle que partiu no brigue _Boa Nova_,
E na barca _Oliveira_, annos depois, voltou;
Aquelle santo (que velhinho e jà corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu... O velhinho ainda cà ficou,
Mas ella disse:--«Vou, alli adiante, à _Cova_,
Antonio, e volto jà...» E ainda não voltou!
Antonio é vosso. Tomae là a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, _o lua_, o santo, a cobra!
Trouxe-o d'um ventre: não fiz mais do que escrever...

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