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Autor: Mário de Sá-Carneiro on Friday, 7 December 2012Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá-Carneiro, in 'Indícios de Oiro'
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá-Carneiro, in 'Indícios de Oiro'
(SAUDAÇÃO)
Avé Regina!
(Hymno Catolico)
Podem apagar o Sol e as estrelas, bastam-me os olhos da minha
amada!
(Idyllio persa)
Le second soleil! Le second soleil.
(Phan taisies scientifiques de Sam)
Ó filha d'Israel, ó vestal impolluta!
--Serena como a côr diaphana do azul--
O rebelde da Luz vencêra Deus na lucta
Se armara contra os ceus teus cabellos do Sul.
A Escriptura Sagrada
Lá diz que uma mulher má
Não ha fera, não ha nada
Peor no mundo: e não ha.
Uma lá da minha aldeia,
Que era muito impertinente,
Muito má (e muito feia)
Morre um dia de repente.
Morreu; desgraçadamente
Mais tarde do que devia;
Mas em summa toda a gente
Teve a maior alegria.
Encolhe as azas, que te abrazas, louca!
O fogo mata a quem o gera, attende;
Foge e, se a vida te aborrece, estende
Um braço aos anjos, que a distancia é pouca.
Porque uma nuvem, onda transitoria
Do mar immenso, vem pousar na serra,
Não fica a nuvem pertencendo á terra:
Tu és o anjo que desceu da gloria.
Estranhas forças para ti me attrahem;
E ás vezes cedo, tua cinta enleio;
Teus olhos beijo; mas, contemplo o seio,
Tua alma dorme, e os meus braços cahem...
Tu és o cheiro que exhala
Ao ir-se abrindo uma flôr,
Tu és o collo que embala
Suas primicias d'amor.
Tu és um beijo materno,
Tu és um riso infantil;
Sol entre as nuvens do inverno,
Rosa entre as flôres d'abril.
Tu és a rosa de maio,
Tu és a flammula azul,
Que atam á flecha do raio
As nuvens negras do sul.
Tu és a nuvem d'agosto,
Meu alvo vello de lã!
Tu és a luz do sol-posto,
Tu és a luz da manhã.
Só!
Ai do Luziada, coitado,
Que não tem mãe, nem tem avó,
Que não ama, nem é amado...
Nuzinho Outomno, no mez d'Abril!
Que triste foi o seu fado!
Antes fosse p'ra soldado,
Antes fosse p'ro Brazil...
Escrito em 15-1-1928.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Meu coração aqui jaz, erma ruina
Onde habita a ironia, o vil phantasma
Golphão anachoreta entre o miasma
Perseguido p'la brisa crystallina.
O lyrio, o trevo ri junto á bonina,
Só de raiva a minha alma abdica, pasma
Porque a tristeza famulenta traz-m'a
Nas duras garras d'ave de rapina.
Meu coração aqui, sob esta alfombra
Dos pallidos desdens, justos ciumes
Adora morto e frio a tua sombra.
Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
Pelos fructos que dás eu te bemdigo!
Cheia de graça e cheia de bondade,
O espirito de Deus seja comtigo!
Tu que és do Sol a esposa immaculada,
Que entre perfumes, canticos e flôres,
Passas no azul dos ceus, virgem coroada
Com o candido mimbo dos amores:
Como escuta piedosa a mãe seu filho,
E d'elle acceita o mais pequeno objecto,
Ouve a harpa d'esta alma onde dedilho
Por ti um canto d'entranhado affecto!