Geral

Beijo na face

    Beijo na face
    Pede-se e dá-se:
        Dá?
    Que custa um beijo?
    Não tenha pejo:
        Vá!

    Um beijo é culpa
    Que se desculpa:
        Dá?
    A borboleta
    Beija a violeta:
        Vá!

    Um beijo é graça
    Que a mais não passa:
        Dá?
    Teme que a tente?
    É innocente...
        Vá!

Não me admira a mim que o sol, monarcha...

    Não me admira a mim que o sol, monarcha
    De indisputavel throno, e throno eterno
            Em céo e terra e mar;
    Que em seu imperio o mundo inteiro abarca
    Abaixe á pobre flôr seu dôce e terno,
            Mavioso olhar.

    Não me admira a mim que a crystallina,
    Tão pura, onda do mar, que espelha a face
            Do astro creador,
    Que essas asperas rochas cava e mina,
    Á praia toda languida se abrace
            E toda amor!

... 21 DE SETEMBRO

    Ha uma hora ou mais,
    Marina! que contemplo
    A casa de teus paes
    Que é para mim um templo.

    Está a porta aberta,
    E vejo alumiada
    A parte descoberta
    Da casa da entrada.

    Lá andam a passar
    Do quarto onde acabaste
    Á casa de jantar
    Os vultos, que deixaste.

    Os vultos, que os vestidos
    Tão negros que pozeram,
    De luto, tão compridos,
    Não sei que ar lhes deram!

CARTA: _Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé de Noronha, hoje Marquez de Angeja_.

Senhor, eu não sou culpado;
Traçar outros Versos quiz;
Mas tenho perdido o trilho
Com as Trovas do Luiz;

A Muza, que ha pouco as fez,
Outra rima não me inspira;
Por mais que mordo nas unhas,
E que em vão tempéro a Lyra.

Acceitai meus bons dezejos;
E como homem de razão
Não desprezeis baixos Versos,
Quando os dicta o coração;

Minhas fiéis expressões,
Filhas de amor, e saudade,
O que não tem em poezia,
Lhe vai supprido em verdade.

*Nostalgia*

      Nos estuarios alpestres do Brasil,
      Onde o sol inflammado resplandece,
      A cabilda dos negros desfallece
      Sob o látego torpe e mercantil.

      Nas areias matisa-se febril
      O ouro virgem, e no spatho permanece
      O diamante, que arisco se aborrece
      Entre o cascalho estupido, imbecil.

      O escravo, quando avista um diamante
      De dezesete _carats_ quebra fôrro
      As algemas sorrindo triumphante.

Reconciliação

A paixão traz a dor! — Quem é que acalma
Coração em angústia que sofreu perda tal?
As horas fugidias — para onde é que voaram?
O que há de mais belo em vão te coube em sorte!
Turbado está o espírito, o agir emaranhado;
O mundo sublime — como foge aos sentidos!

Mas eis, com asas de anjo, surge a música,
Entrelaça aos milhões os sons aos sons
Pra varar, lado a lado, a alma humana
E de todo a afogar em eterna beleza:
Marejado o olhar, na mais alta saudade
Sente o preço divino dos sons e o das lágrimas.

Interrogação

A Guido Batelli

Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma de charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

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