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LYRA XX.

Em huma frondosa
Roseira se abria
Hum negro botão.
Marilia adorada
O pê lhe torcia
Com a branca mão.

  Nas folhas viçosas
Á abelha inraivada
O corpo escondêo.
Tocou-lhe Marilia,
Na mão descuidada
A fera mordêo.

  A penas lhe morde,
Marilia gritando,
C'o dedo fugio.
Amor, que nos bosques
Estava brincando,
Aos ais acudio.

Junquilhos

Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh'alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu'inda existe...

Estátua Falsa

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de mêdo!

AOS FILHOS

      Trazidos pelo Amor, que por instantes,
                  O veu ergue á Verdade,
      Por nós á luz vieram, quaes prestantes
                  Peões da Humanidade!...

      Amor é quem dos ceus nos abre a porta,
                  Nos deixa vêr o intuito
      De Deus na Terra, e a elle nos transporta
                  Da amante o olhar fortuito!

A LAMENTAÇÃO.

Como assim jaz e solitaria e quèda
Esta cidade outr'ora populosa!
Qual viuva ficou e tributaria
      A senhora das gentes.
Chorou durante a noite; em pranto as faces,
Sósinha, entregue á dôr, nas penas suas
Ninguem a consolou: os mais queridos
      Contrarios se tornaram.
Ermas as praças de Sião e as ruas,
Cobre-as a verde relva: os sacerdotes
Gemem; as virgens pallidas suspiram
      Involtas na amargura.
Dos filhos de Israel nas cavas faces
Está pintada a macilenta fome;

Á HORA DO SILENCIO

Eu quiz hontem sonhar, sentir como um romantico
A doce embriaguez do pallido luar,
Ouvindo em pleno azul passar o immenso cantico
Dos astros no seu giro e em sua luta o mar!

A cidade dormia o somno dos devassos;
Aquelle somno turvo, infecto e sensual:
E a lua, antiga fada, erguia nos espaços
Tranquilla e sempre ingenua a fronte de vestal!

*O OURO*

A Theophilo Braga

Dizia o ouro á pedra;--Ente mesquinho!
Que profundo scismar sempre te préga
Á beira d'uma estrada, ou d'um caminho,
Pasmada, mas sem ver, eterna cega?!

Em vão o orvalho a ti te lava e rega!
Em ti não cresce nunca pão, nem vinho,
Dura e inutil--o lodo é teu visinho,
E o homem só, por te pisar, t'emprega!

Em ti só medra e cresce o cardo os lixos!
Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bixos,
E ensanguentas os pés descalços, nus!

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