Singular Perfeito
Autor: João Alberto on Friday, 3 June 2022
Um corpo não subsiste sem alma.
Uma andorinha não cessa a gula
Sem um voo pernicioso e calmo.
Um homem sem fé é um cadáver,
E um cadáver com fé, é a fome colérica.
Eis a suma das criaturas terrenas:
Um eterno dualismo sem razão.
Se beleza há, o feio míngua sua forma;
Dançar nos adágios da causalidade
É o que resta ao homem extenuado,
Porque vida e a morte justaposto bailam.
Sorte e azar procedem o augúrio póstumo.
Agora reflito no que eu penso
Na verdade da amargura sem saber
Não me contento
Eu olho para o céu
Na verdade eu já não tento
Digna liberdade
Deste meu nobre pensamento
Fico parado bloqueado no tempo
Onde fui ferido com gravidade
Neste meu eterno lamento
Procuro formas literais
De explicar este meu medo
Descubro ajudas banais
Para esconder todos estes segredos
Mas eu já não tento
Nem sequer penso
Vivo apenas cada segundo
Deste enorme tormento
Até quando os ventos me jogarão?
Não tenho ideia ao que leva isso
Prostro mais um dia — clarão:
Estou cego pela mentira. Omisso,
Não da vida ou da sorte incerta;
A dona da tempestade bruma,
Dos júbilos da majestade serva
E Rainha da rosa murcha:
Senhorita Morte me regojize
Um último desejo material:
Incinerar meu corpo que exprime
O melodrama da vida lacrimal.
Minha existência voará ao poço
Vejo sombras nos arames
Tateio enforcamento na luz
Querem costurar meus ossos
Sob os pecados da carne
Pisco uma ou duas vezes
E lá fito Saturno encarando
Sou tão megalomaníaco
Que acredito ser um lunático
O Deus dos fins a violar-me
Quem dera se fosse real
Deve ser a autoconfirmação
Da minha virtude desleal
podem os usos teimar para que eu seja um serviçal que eu assumirei a têmpera dum lidador para que os méritos disformes que fervilham na vida sejam combatidos pelos meus bramidos poéticos.