BEATRIZ

    Tu és o cheiro que exhala
    Ao ir-se abrindo uma flôr,
    Tu és o collo que embala
    Suas primicias d'amor.

    Tu és um beijo materno,
    Tu és um riso infantil;
    Sol entre as nuvens do inverno,
    Rosa entre as flôres d'abril.

    Tu és a rosa de maio,
    Tu és a flammula azul,
    Que atam á flecha do raio
    As nuvens negras do sul.

    Tu és a nuvem d'agosto,
    Meu alvo vello de lã!
    Tu és a luz do sol-posto,
    Tu és a luz da manhã.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje Marquez de Angeja_.

Em sege estreita entaipados,
Sol á ilharga, Sol por cima,
Vinha eu, e o Padre Lima
Cheios de pó, e encalmados.
Eis-que na estrada atacados,

Párão as mulas baratas;
Cuidei eu que erão Piratas,
Que tirão vida, e dinheiro,
Fui ver se era o Clavineiro,
E achei duas Açafatas.

*Epitaphio*

      Meu coração aqui jaz, erma ruina
      Onde habita a ironia, o vil phantasma
      Golphão anachoreta entre o miasma
      Perseguido p'la brisa crystallina.

      O lyrio, o trevo ri junto á bonina,
      Só de raiva a minha alma abdica, pasma
      Porque a tristeza famulenta traz-m'a
      Nas duras garras d'ave de rapina.

      Meu coração aqui, sob esta alfombra
      Dos pallidos desdens, justos ciumes
      Adora morto e frio a tua sombra.

Á TERRA

Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
      Pelos fructos que dás eu te bemdigo!
      Cheia de graça e cheia de bondade,
      O espirito de Deus seja comtigo!

      Tu que és do Sol a esposa immaculada,
      Que entre perfumes, canticos e flôres,
      Passas no azul dos ceus, virgem coroada
      Com o candido mimbo dos amores:

      Como escuta piedosa a mãe seu filho,
      E d'elle acceita o mais pequeno objecto,
      Ouve a harpa d'esta alma onde dedilho
      Por ti um canto d'entranhado affecto!

Irmã da caridade (A HENRIQUE GOES)

I

Muitos, ao vel-a, estacam deslumbrados,
Ficam como suspensos d'esse olhar
Mais timido que os olhos dos veados,
Mais candido que os raios do luar.

Indifferente á propria formosura
Segue, porém, impavida, serena,
De habito negro como a noite escura
E touca branca como uma açucena.

A linha esculptural do seu perfil
É d'uma correcção incomparavel.
É alta, aristocratica, gentil,
De brandos gestos e maneira affavel.

Panteísmo

Ao Botto de Carvalho

Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte...
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!

Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!

E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortos

Meus olhos, atentai no meu jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

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