Geral

INNOCENCIA

    Encolhe as azas, que te abrazas, louca!
    O fogo mata a quem o gera, attende;
    Foge e, se a vida te aborrece, estende
    Um braço aos anjos, que a distancia é pouca.

    Porque uma nuvem, onda transitoria
    Do mar immenso, vem pousar na serra,
    Não fica a nuvem pertencendo á terra:
    Tu és o anjo que desceu da gloria.

    Estranhas forças para ti me attrahem;
    E ás vezes cedo, tua cinta enleio;
    Teus olhos beijo; mas, contemplo o seio,
    Tua alma dorme, e os meus braços cahem...

BEATRIZ

    Tu és o cheiro que exhala
    Ao ir-se abrindo uma flôr,
    Tu és o collo que embala
    Suas primicias d'amor.

    Tu és um beijo materno,
    Tu és um riso infantil;
    Sol entre as nuvens do inverno,
    Rosa entre as flôres d'abril.

    Tu és a rosa de maio,
    Tu és a flammula azul,
    Que atam á flecha do raio
    As nuvens negras do sul.

    Tu és a nuvem d'agosto,
    Meu alvo vello de lã!
    Tu és a luz do sol-posto,
    Tu és a luz da manhã.

*Epitaphio*

      Meu coração aqui jaz, erma ruina
      Onde habita a ironia, o vil phantasma
      Golphão anachoreta entre o miasma
      Perseguido p'la brisa crystallina.

      O lyrio, o trevo ri junto á bonina,
      Só de raiva a minha alma abdica, pasma
      Porque a tristeza famulenta traz-m'a
      Nas duras garras d'ave de rapina.

      Meu coração aqui, sob esta alfombra
      Dos pallidos desdens, justos ciumes
      Adora morto e frio a tua sombra.

Á TERRA

Oh Terra, Virgem mãe da Humanidade,
      Pelos fructos que dás eu te bemdigo!
      Cheia de graça e cheia de bondade,
      O espirito de Deus seja comtigo!

      Tu que és do Sol a esposa immaculada,
      Que entre perfumes, canticos e flôres,
      Passas no azul dos ceus, virgem coroada
      Com o candido mimbo dos amores:

      Como escuta piedosa a mãe seu filho,
      E d'elle acceita o mais pequeno objecto,
      Ouve a harpa d'esta alma onde dedilho
      Por ti um canto d'entranhado affecto!

Panteísmo

Ao Botto de Carvalho

Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte...
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!

Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!

E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortos

Meus olhos, atentai no meu jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Já sobre o coche de ébano estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih'alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

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